Sónia Brandão

por Sónia Brandão

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Ela está sentada com phones nos ouvidos, com olhar brilhante e perdida em pensamentos.

Não sei o que chamou mais atenção — se as roupas meio hippies, se a postura sonhadora —, mas o meu olhar é todo dela.

Ela é linda, com longos cabelos em vários tons de castanho. Mesmo sentada, percebo que é alta, esguia. Mas, mais do que o aspeto físico, o que me atrai é a energia que transmite, perdida dentro dos seus pensamentos. Nota-se que, dentro dela, existe algo de vibrante.

Demoro alguns minutos a observá-la, a ver a variação de expressões que lhe percorrem a face.

Antes de a abordar.

— Ei! — Digo, depois de estar em frente dela.

Ela sorri. Quando me reconhece, sorri e lança-se nos meus braços.

Ele chegou.

A minha razão de existir retornou.

Sempre soube que hoje seria um bom dia. O meu coração sabia que era o seu regresso.

Abraço-a com toda a minha força.

Olho-a nos olhos e beijo-a com todo o amor que sinto.

Continuamos colados um ao outro. Por minutos, creio. Podiam ser horas. Perdi completamente a noção de tempo e espaço, desde que ela chegou aos meus braços.

— Voltaste! — Sussurra, enquanto me olha e confirma que sou mesmo eu.

Antes

— Tenho que ir — sussurro, antes de a largar.

Os seus olhos transmitem toda a dor que sente. As lágrimas correm livremente pelo seu rosto, sem barreiras.

O nosso encontro sempre foi temporário. As nossas vidas, em separado, assim o ditaram.

Um encontro casual, onde se cria uma conexão fora do normal. Se não o tivesse vivido, diria que os poetas criaram estes momentos.

Conversámos durante horas. Apaixonámo-nos um pelo outro, no pouco tempo em que estivemos juntos.

Tínhamos poucos dias para viver toda uma vida criada na nossa mente. Não fizemos planos. Ambos sabíamos que nada, ali, podia continuar a longo prazo.

Eu tinha outra pessoa.

Mesmo sabendo disso, vivemos essa vida proibida, pela sociedade, pela moralidade.

Nenhum de nós conseguiu parar de viver. Era mais forte do que nós.

Durante três dias, criámos tudo. Amámo-nos como se nunca fosse terminar.

Estes dias foram o que me motivou a viver a realidade.

Ela olha-me e diz: 

— Não vou esperar por ti. Vou viver.

Aceno com a cabeça, em total concordância com o que me está a ser dito, mesmo sentindo-me destruído por dentro.

— Mas, antes disso, dou-te um ano. Daqui a um ano, vou estar no sítio onde te conheci, ainda disponível para nós.

Ela vai esperar, um ano.

Beijo-a e olho-a com esperança.

Vou voltar.

Hoje

Eu sabia que ela estaria aqui. Eu não tinha a certeza de que poderia vir, mas ela estaria, porque ela deu-me um ano.

— Estou aqui — digo.

— Mesmo? — Questiona.

E eu sei que esta pergunta é muito mais do que uma simples palavra.

— Sim, estou aqui — sussurro.

Antes

Assim que voltei para a minha vida, acabei com tudo.

Saí de um casamento que já estava terminado, mas ainda não tinha sido reconhecido por palavras, e mudei toda a minha vida.

Mudei de cidade, comprei casa, arranjei emprego, comecei a construir a minha vida com ela, mesmo ela ainda não tendo chegado.

Não tivemos contacto durante este ano. Seria fácil encontrá-la nas redes sociais, mas não queria. Precisava de encontrar a minha paz antes. Ela merecia saber quem sou e não somente a versão de três dias do passado.

Hoje

Vamos juntos percorrer a vida que se estende à nossa frente. Com altos e baixos, mas vamos viver. 

— Avô, porque ela esperou por ti?

Olho para a minha neta. Tem o mesmo olhar da avó. Desde que nasceu, percebemos que seria uma cópia dela.

— Porque me amava… — respondo com um sorriso no rosto e um brilho no olhar.

A minha neta olha-me nos olhos e diz:

— Eu quero amar assim, um dia.

Eu sei que vai amar com toda essa intensidade porque é como ela, avó. Ama com tudo e espera sempre o momento certo para o fazer.

Sinto-me cansado, pronto para ir ter com ela, mas sei que ainda não é o momento. Vou continuar a fomentar os sonhos de amor dos que me rodeiam. Simplesmente, para partilhar quem ela era e como nos encontrámos.

Para partilhar como nos amamos — no passado, hoje e sempre.

About the Author: Sónia Brandão
Sónia Brandão
Apaixonada por palavras, aprendeu, desde nova, a criar realidades paralelas na sua mente — onde tudo era possível. "Amor de Perdição" foi o primeiro livro que leu. Tinha 13 anos e foi a mãe que lho sugeriu para se ocupar. Desde então, nunca mais parou de ler. Durante alguns anos, no entanto, parou de escrever: sentiu que tinha deixado de fazer sentido. Mas o confinamento fê-la regressar à escrita com mais força e determinação. Este ano, surgiu a vontade de partilhar com os outros o que coloca no papel.

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