por Maria João Amaral Graça
Há uns bons anos, eu costumava ser uma pessoa mais calma do que o normal, praticante exímia do “uma coisa de cada vez”. Digamos que, numa escala de 1 a 10, em que 1 representa calma excessiva e 10 uma calma razoável, eu enquadrava-me no número 6. Provavelmente, as más línguas rotular-me-iam de lerda. Já eu preferia a minha palavra favorita: calma. É certo que, algumas vezes, subia três ou quatro patamares, quando a responsabilidade o exigia, mas descia logo a seguir para que o stress não causasse muitas mossas à minha sanidade mental. Contudo, um dia, por alguma razão, devo ter descido até ao piso 1, sem me aperceber, e o resultado foi catastrófico. Eu passo a explicar.
Nunca fui muito amiga de cozinhar. A minha praia é outra. Adoro passar o esfregão da loiça nos pratos e nos copos, limpá-los com água e colocá-los no escorredor. Por isso, nunca me entendi muito bem com as frutas e os legumes, quando tinha de os escolher no supermercado. Para mim, era tudo a mesma coisa. Quantas vezes levei tomates verdes ou bananas cruas à minha mãe, quando me pedia para ir às compras, ou trocava o coração-de-boi pela couve-flor. Já para não falar das vezes em que me pediu coentros para fazer o almoço, e eu chegava a casa com salsa nas mãos. Ela limitava-se a abanar a cabeça, enquanto murmurava:
— E tem esta rapariga 24 anos!
Até que, um dia, o excelentíssimo marido decidiu que estava na hora de eu aprender a selecionar a fruta. Afinal, a filha era pequena, e não podia ser sempre ele a fazer as compras!
Vamos a isso!
Sentei-me no sofá e ouvi a explicação. É melhor não colocar a palavra “atentamente”, porque estaria a mentir.
— Tens de segurar o melão, apalpar a parte de baixo e ver se emite um som oco — disse ele, exemplificando com uma bola de rugby que tínhamos. Foi o objeto mais parecido com um melão que encontrámos lá em casa.
Eu acenava afirmativamente, dando a entender que estava a absorver toda aquela informação, mas, dias depois, constatei que não.
— Percebeste? — perguntou ele.
Prontamente respondi:
— Sim, sim! Tudo!
Passados uns dias, regressava do trabalho, quando passei por um Pingo Doce e tive a infeliz ideia de comprar um melão. Entrei pela porta da frente, de cabeça erguida, confiante. Aproximei-me da bancada onde eles estavam. Grandes, médios, pequenos, todos virados para mim. Só tinha um senão: tirando o tamanho, eram todos iguais. Senti as pernas a fraquejar e um suor frio a inundar-me o rosto, mas não me deixei ir abaixo.
Peguei num melão…
Olhei para ele…
E, claro, ele retribuiu o olhar.
Devo ter ficado quase um minuto a admirar a bendita fruta, tentando descobrir onde ficavam as partes baixas. Para mim, ele era todo igual… E, diga-se de passagem, também não mudou muito em 20 anos.
Com a mão fechada — tal e qual me haviam ensinado —, bati várias vezes no melão.
Toc! Toc! Toc!
Olhei uma última vez para ele.
Encostei o melão ao ouvido…
E esperei…
Nada!
Tentava entender o que estava a fazer de errado ou onde seriam a parte de baixo e de cima do melão, quando, de repente, aparece à minha frente um homem, vindo não sei de onde, que me pergunta, com um sorriso de orelha a orelha:
— Está à espera de resposta?
Imediatamente, percebi que acabara de fazer um figurão à custa do raio do melão. Fiz um sorriso à Gioconda, envergonhada, pousei a fruta e fui-me embora de mãos a abanar. Sem melão, nem meloa. Nenhuma fruta.
E, como toda a história que se preze tem uma moral, a desta é a seguinte: sempre que ouvimos algo pela metade, com certeza o resultado não será bom. A solução é regular a calma ao mínimo, para não cairmos na tentação de nos perdermos na calmaria dos nossos pensamentos.
Este episódio surreal foi, sem dúvida, uma grande lição de vida.
Que figurão!
Graças a um melão.
*Fotografia criada com a ajuda da inteligência artificial