Inês Biu Faro

por Inês Biu Faro

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Já não há cartas de amor. Pelo correio só nos chegam contas, multas e publicidade. Já não há cartas. Já não há caligrafias para decifrar, suspiros, papel molhado das lágrimas, tinta borrada pelas gotas de perfume, vincos a meio dos parágrafos, papel colorido, liso ou com linhas.

Já não há cartas de amor, nem a ânsia de as esperar, ler e responder — ler as palavras ditas, guardar as memórias enquanto se criam novas e alimentar o desejo de proximidade.

Já não há cartas de amor. As tecnologias tiraram-nos o hábito. Escrevemos tudo rápido, automático, pré-escrito e corrigido. Já não se vêem as lágrimas, o perfume não está lá e os suspiros foram trocados por emojis. Já não há espera, porque se escreve a toda a hora. Já não há caligrafia, borrões de tinta, selos ou sequer cuidado com as palavras usadas (com ou sem erros). A tecnologia aproximou, mas afastou.

Já não há cartas de amor. Já não há tempo para as escrever. A vida é vivida a correr e quase sem detalhes. Não se olha para as flores. Não se olha nos olhos. Dá-se o amor como garantido. O galanteio é pouco, a conquista confundida com pertença e o amor com o desejo.

Já não há cartas de amor. Quer-se o sexo muito mais rápido, muito mais vezes, muito mais pelo físico e sem intimidade.

Já não há cartas de amor. E, mesmo assim, eu escrevo-as quase todos os dias. De mim para mim, para amigas, para amores que já lá vão ou que ainda desejo ou desejarei.

Já não há cartas de amor, mas eu não páro de as escrever!

About the Author: Inês Biu Faro
Inês Biu Faro
Ainda não conhecia o abecedário quando começou a "escrever". Enchia cadernos com linhas "escritas" à sua maneira, com todos os seus contos de fadas e sonhos. Ao longo da escolaridade, aprimorou o gosto pela escrita e desde que se lembra que escreve diários. Não é fácil ser várias mulheres numa única e só os diários a compreendem, por falar consigo mesma. Escreveu, escreve e escreverá sempre com o coração, com emoção, de uma mulher para tantas outras, de um coração para tantos outros. Tem um manuscrito por editar. Será desta que sairá do forno? Esperemos que sim!

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