por Estefânia Barroso

Nunca fui uma pessoa de silêncios. Nem uma pessoa de gostar de estar no silêncio. Em casa, mesmo que não esteja a vê-la, tenho de ter a televisão ligada. Tenho de estar sempre rodeada de vozes, de um burburinho de fundo que seja. Quer esteja a ler, a escrever, a trabalhar para a escola, a cozinhar, ou o que quer que seja, tenho de me sentir acompanhada.
Talvez seja por essa necessidade constante de barulho de fundo que sou, desde que me conheço por gente, uma tagarela. A tal ponto que até eu, por vezes, me canso de mim mesma! Tenho mesmo necessidade de falar, sobre o que quer que seja. E de ouvir. Sou incapaz de estar sozinha num qualquer sítio – um autocarro, uma mesa de café, um banco do jardim – e não prestar atenção às conversas que me rodeiam. E pior! Por vezes, sinto vontade de intervir e de falar com as pessoas que estou a ouvir, despudoradamente. Não sinto que o faça por uma questão de cusquice, mas, sim, por esta necessidade de quebrar o silêncio e de ter sempre algo a dizer sobre todo e qualquer assunto.
Dada esta característica da minha pessoa, parece-me bastante óbvio o caminho profissional que segui: ser professora. Por outro lado, gostar de escrever também me parece uma forma de dar voz a esta necessidade constante de debitar palavras.
Ora, sendo assim uma palradora nata, seria de esperar que não fosse dada a silêncios em determinadas situações, a não entrar em silêncios de palavras não ditas. Mas a verdade é que assim aconteceu em algumas situações da minha vida (ainda que tenha vindo a trabalhar nessas situações e nesses silêncios).
Tenho de o assumir, sem medos e sem vergonhas: tenho imensa dificuldade em dizer aos outros o quanto gosto deles, o quanto são essenciais na minha vida, o quanto os amo. Não servirá de desculpa (talvez uma atenuante), mas o facto é que provenho de uma família onde sempre fomos mais de gestos do que de palavras.
Sei que aquilo que vou dizer poderá parecer estranho a muitos dos que estão a ler, mas é a mais pura das verdades: não me lembro nunca de dizer «amo-te» ou até um «gosto muito de ti» aos meus avós. E a verdade é que gostava muito deles. E se, no que aos avôs diz respeito, tenho a pequena desculpa de ambos (o paterno e o materno) terem falecido ainda eu era uma criança que não pensava muito em pôr por palavras o que sentia, no caso das avós não tenho essa desculpa. Tanto a avó materna como a paterna foram figuras muito presentes na minha vida de jovem e de adulta.
Penso que nenhuma delas teria dúvidas sobre o quanto eu gostava delas, mas assumo que tenho alguma pena de nunca lhes ter dito o quanto elas eram importantes para mim de viva voz.
Por vezes, dou por mim a “pensasonhar” sobre uma possibilidade. E se a vida me desse uma segunda oportunidade? E se me fosse possível rever tantas pessoas que me deixam saudades sem fim? Será que lhes diria, finalmente, o quanto eram, e são, importantes para mim? Será que lhes diria, finalmente, o quanto as amava?
A verdade é que a vida não me dará esta oportunidade e ficarei, até ao fim, com o peso das palavras que nunca disse. Mas, como aprendemos com o decorrer dos anos e com os nossos erros, e sabendo que os lapsos do passado não podem ser corrigidos, procurei modificar o meu presente.
No aqui e agora, procurei tornar-me uma pessoa mais solta nas palavras. Não escondo o quanto algumas pessoas me são caras e procuro dizer-lhes o quanto gosto delas, não poupando nas palavras. O «gosto de ti», o «amo-te», o «és tão importante para mim» passaram a ser usados sem parcimónia com família, amigos e com aqueles que, a dada altura, me fizeram acreditar no amor.
Nada fica por dizer. Isto porque, se há coisa que aprendi, é que as palavras só pesam se ficarem por dizer. Aquelas que são pronunciadas – mesmo que meio atrapalhadas ou a soar fora de tempo – libertam, aproximam e, acima de tudo, deixam memória.
E é isso que quero deixar aos que me rodeiam: saberem o quanto foram, são e serão amados. Deste modo, não mais sentirei na minha vida o peso das palavras não ditas.