por Sofia Pereira

A liberdade não está nas ruas que percorremos ou nos espaços abertos. Está, antes, na maneira como nos relacionamos com o que nos rodeia, com os outros e, acima de tudo, connosco próprios. Ao longo de anos de trabalho com reclusos, descobri que a verdadeira liberdade transcende as grades e os muros. Ela reside na capacidade de transformação interior, no poder da escuta e da empatia, na crença de que todos — sem exceção — têm direito à dignidade, ao conhecimento e à reintegração social. Aprendi que a liberdade não se mede pelas correntes que conseguimos romper, mas pelas consciências que conseguimos tocar e despertar.
Há doze anos, entrei, pela primeira vez, num estabelecimento prisional. Fui com o coração cheio de receios e incertezas, mas com a convicção firme de que todos — mesmo os que erraram — têm direito à cultura, ao conhecimento e à dignidade. Fui para trabalhar com homens privados da liberdade exterior, mas ainda assim cidadãos, seres humanos com tanto por dizer e por descobrir.
Durante esse tempo, ouvi muitas vezes a pergunta: «Gostas mesmo de trabalhar com reclusos?» E também frases que doíam mais do que gostava de admitir: «Eles não deviam ter direito a nada.»
Mas posso afirmar, agora que essa etapa terminou, que foi uma das experiências mais enriquecedoras e gratificantes da minha vida profissional. Marcante. Trabalhei com quase três centenas de reclusos e, mais do que levar cultura, levei presença, escuta e humanidade. Em troca, recebi muito mais do que poderia ter imaginado.
A prisão nunca foi, para mim, um lugar de vingança ou castigo. Via-a, e continuo a vê-la, como um espaço de potencial transformação. Um meio para auxiliar numa reintegração mais humanitária na vida em sociedade. O preso de hoje poderá ser o nosso vizinho de amanhã. Todos juntos podemos e devemos contribuir para a sua inclusão sociocultural e o seu exercício de cidadania em pleno. E foi com essa visão que desenvolvi sessões de mediação de cultura — pequenos encontros onde as palavras funcionavam como janelas. Janelas abertas para dentro, para dentro de cada um.
Recordo com carinho e emoção as palavras de um grupo com quem trabalhei:
«Amiga Sofia,
Uma pequena lembrança para quem resolveu abdicar um pouco do seu tempo, para estar com um grupo de pessoas que atravessam um momento menos positivo.
Têm sido momentos fantásticos de partilha e ao mesmo tempo de construção.
Aprendemos muito com a sua experiência e tem sido gratificante.»
Sorri, com o coração apertado. Porque sabia que, no fundo, estavam apenas a agradecer por alguém ter acreditado neles.
Hoje, já não entro nesse estabelecimento prisional. Essa fase acabou. Mas o que vivi, ali, nunca vai sair de mim. Saí de lá transformada. Saí com a certeza de que a liberdade é, antes de tudo, interior. Que há muitos homens livres atrás das grades e muitos outros presos cá fora — presos ao preconceito, à frieza, à indiferença.
Liberdade é também isto: permitir que quem se encontra privado do mundo exterior, por circunstâncias adversas e infelizes da vida, tenha acesso a iniciativas que contribuam para o seu desenvolvimento pessoal, intelectual, emocional e espiritual. É criar oportunidades de reencontro com o que há de mais essencial — a consciência, o sentido, a esperança.
Ali dentro, aprendi a escutar sem julgar, a olhar com empatia, a respeitar cada história sem perder de vista o que é ser humano. Conheci realidades duras, histórias de vida que me abalaram e me ensinaram. Aprendi a valorizar a justiça com rosto humano e a equidade como caminho de verdade.
Acredito, agora, mais do que nunca, que a liberdade não é a rua. E que a prisão não são as grades.
A liberdade é consciência, é transformação, é esperança.
E tive o privilégio de testemunhar tudo isso de perto.
Fechei este capítulo com o coração cheio.
Sei que deixei uma semente. Mas mais do que isso: sei que muitas daquelas pessoas também plantaram algo em mim.
Ali, no lugar onde menos esperava, fui verdadeiramente livre.