por Ana Guilherme Martins

Se havia dias em que a escrita me auxiliava, havia outros em que nem por isso.
Já por algumas vezes, queria pronunciar emoções, mas as palavras não estavam disponíveis. E o curioso era que isso não me acontecia em situações banais do dia-a-dia, mas em situações pontuais de singular tristeza ou alegria. As palavras simples- mente não fluíam. Talvez ficassem bloqueadas pelo nó na garganta. As palavras simplesmente não estavam disponíveis! Cheguei a pensar que pudesse ser pela intensa procura das mesmas, mas não! Porém, à minha volta, não via assim tanto uso para justificar esta indisposição. As palavras simplesmente não fluíam…
O que se passava com as palavras? Onde se encontravam elas? O que lhes acontecerá senão as pronunciarmos? O que será do que sentimos senão for expresso pelas palavras adequadas? O que acontecerá connosco se não conseguirmos transmitir à nossa mãe, ao nosso pai, irmãos, amigos, o que vivenciamos? É tão triste, a indisposição das palavras…
Em vez de prolongar a minha especulação, resolvi colocar a questão às próprias: “Nós, as palavras, estamos aqui para isso e apenas isso, exprimir o que sentem, seja cantar, escrever, falar. Estamos, portanto, disponíveis. No entanto, não somos nós que mandamos. Recebemos ordens da mente. É com ela que terás de esclarecer a nossa indisposição.”
Coloquei a mesma questão à mente, a qual me informou que: “Eu tomo decisões e passo essa informação ao corpo humano para que exprima o que lhe encomendo, é verdade! No entanto, não tomo decisões só, mas sim em conjunto com outro elemento: o coração. E a verdade é que nem sempre concordamos: uma vezes decide ele, outras vezes decido eu…”.
“É um fato, a mente e eu decidimos em conjunto, reconhecendo que nem sempre fazemos a escolha certa. Quando erramos, tentamos remediar, deixando-me falar de coração para coração, mas nem sempre dá bom resultado. As mentes e os corações não são todos iguais, não pensam nem sentem todos da mesma maneira. Quando isto acontece, embora a mente controle a nossa aparência e me tente proteger, ficamos desconsoladamente tristes e bloqueados. Por outro lado, quando conseguimos remediar, como um voltar atrás e fazer de novo e bem, o mesmo bloqueio pode acontecer-nos, mas, desta vez, por nos sentirmos profundamente felizes. Mas, cada vez mais, devido à intolerância geral, preferimos ficar calados. É triste tendo em conta a boa vontade das palavras, mas o medo vence-nos”, explanou, com sinceridade, o coração.
Graças a estas pacientes explicações, fico com a certeza de que, afinal, depende apenas de usarmos as palavras, de como encaramos as situações, de como pretendemos gerir as experiências, os nossos bloqueios, os nossos medos, porque, no que diz respeito às palavras, essas estão sempre prontas a serem proferidas!
Assim sendo, prometo usá-las sempre, por escrito.
Excerto do meu livro «Um dia vais perceber»