por Sónia Brandão
Contemplo a janela que se encontra à minha frente, mesmo sem ver nada do que se acontece para lá do vidro.
Existem momentos em que sabemos que vamos partir.
Sei-o, o meu tempo nesta realidade está a acabar.
Não lamento. A vida sempre foi generosa comigo.
Infância
Cresci rodeada de vida, de crianças, de família, de amor.
Sei que fui amada ainda no ventre da minha mãe, desde o meu primeiro minuto de vida.
Sei que fui desejada desde sempre.
Nunca fui protegida. Sempre me empurraram para a vida, para viver as minhas aventuras, para cair e aprender a levantar-me.
Foi ensinada a viver, fossem coisas boas ou não tão boas, mas a viver porque isso, no futuro, iria definir-me como mulher.
Nunca fui menos por ser mulher. As minhas opções sempre foram iguais às dos meus irmãos. Talvez por isso o mundo real nunca me tenha assustado.
Sei que poucos percebiam a educação que me era dada, mas todos a respeitavam porque percebiam que se tratava de uma preparação para o futuro.
Juventude
Aprendi.
Ao longo dos anos, aprendi a defender-me, aprendi a escolher as minhas batalhas.
Fiz amigos sozinha, por mim.
Errei, mas vivi.
Nunca me foram impostas vontades dos outros. Sempre me foi dada a opção de escolha e eu aprendi a escolher e a viver com as consequências das mesmas.
Porque sempre fui amada, mas nunca fui mimada. Sempre que errava e batia com a cabeça, aprendia sozinha.
Mas encontrava o conforto e a compreensão nos braços dos que me amavam.
Nunca me senti só.
Adulta
Crescer não é fácil.
Mas, quando somos respeitadas pelas nossas escolhas, mesmo quando elas não são entendidas na sua totalidade, torna-se mais fácil enfrentar esse processo.
Tive o prazer de, mesmo não sendo um ser muito convencional nas minhas escolhas, ser apoiada pelos que sempre me amaram incondicionalmente.
Quando resolvi partir para me encontrar, poucos entenderam o porquê. Mas todos respeitaram, nas mais diversas formas, essa busca.
Poucos entendiam a mulher que era.
Poucos me queriam ver de verdade, mas aqueles que me amavam sempre me apoiaram. “A escolha é tua. A vida é tua. Se não funcionar, sabes para onde deves voltar.” Esta frase sempre me foi dita nas mais diversas ocasiões.
A segurança de sempre ter um lugar para onde voltar levou-me a ir, ir sem pensar, a ser livre a errar, acertar a viver sempre no limiar do que me permitia.
Nada foi perfeito. Para muitos foi uma sucessão de erros. Para mim, foi a vida, a minha vida, cheia de momentos que me tornaram quem sou hoje.
Perdi momentos, encontrei pessoas, reencontrei outras, mas principalmente fui fiel a mim e quem eu era.
Presente
Recordar a vida que vivi, as escolhas que fiz, enche-me de alegria.
Porque muitos de nós passam pela vida, correndo atrás de tudo o que nunca conseguem alcançar.
Eu não o fiz. Eu deixei a vida acompanhar-me, por entre ruas estreitas e campos abertos.
Sei que, sempre que for recordada, levarei um sorriso ao rosto de todos os que me amam.
Queria continuar a estar presente? Sim!
Mas a minha jornada está no fim, eu sei-o.
Volto os meus olhos para aqueles que me rodeiam. Olho cada um com todo o amor que me preenche. Recordo momentos. Recordo emoções que me abraçam o coração.
Se todos os que amo viverem no limiar da felicidade, em busca constante do que importa, o balanço será sempre positivo.
Fecho os olhos e sorrio. A vida foi boa.