Maria Reis

por Maria Reis

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Naquele verão, como em tantos outros verões, Manuela fazia questão de, todos os dias após o jantar, dar o seu passeio. Esse passeio, no final de um dia de sufocante calor, proporcionava-lhe aquele bem estar que lhe permitia regressar a casa sentindo a serenidade necessária para uma boa e descansada noite.

Manuela, Nela para os que lhe eram mais próximos, vivia sozinha. Há uma década que perdera o seu marido, com quem partilhara muitos anos da sua vida, numa feliz relação.

Não se pense, contudo, que Nela vivia numa solidão de amargura!

Na verdade, ninguém diria que contava já setenta e seis lindas primaveras!

Nela guardava, no seu coração, o seu doloroso luto. Todavia, o seu ar afável e o seu lindo sorriso estavam lá! Caracterizava-a também uma atitude jovial que encantava todos os que com ela conviviam.

A sua filha Matilde tinha um casamento feliz e presenteara-a com os netos Pedro e Sofia.

Pode dizer-se que, tendo boas amizades, sentindo o carinho e o aconchego familiar, Nela usufruía de uma vida tranquila. Sentia-se confortável no seu lar que, embora mais vazio, continuava a ser o seu refúgio predileto: ali, continuava a sentir o calor do amor em família! Ali, ela queria continuar a proporcionar um porto de abrigo àqueles que lhe eram mais queridos.

Naquele verão, na sua rotina habitual, privilegiava dois momentos: o convívio do seu café da manhã e o seu passeio no final do dia. Se o café matinal era, na maior parte dos casos, animado — com agradáveis conversas com amigos que, casualmente, poderiam estar presentes —, o seu passeio era solitário. Nela não queria depender de ninguém na organização das suas atividades e, assim, preferia caminhar sozinha à hora que mais lhe agradava; ela apreciava a sua própria companhia e aproveitava as suas caminhadas para, de uma forma livre e descomplicada, dar asas aos seus pensamentos e sonhos.

Sim, ela sorria para a vida, ela tinha os seus sonhos…

Nos seus passeios cruzava-se com outros passeantes e todos se saudavam, sendo ou não conhecidos, já que todos os rostos se iam tornando mutuamente familiares de tão frequentemente se verem. Nela a todos saudava com o seu lindo sorriso.

Já nos primeiros dias de outono, num dos seus cafés da manhã, Nela foi surpreendida com a presença de Luísa, amiga de longa data. As duas amigas, amigas do peito, abraçaram-se efusivamente! As contingências da vida separaram-nas. Viviam a umas centenas de quilómetros uma da outra, contudo aquela grande e genuína amizade continuava viva! Não se encontravam com a frequência que desejavam, todavia Luísa, sempre que vinha visitar os seus familiares, adorava surpreender esta sua amiga no seu café da manhã.

Com a habitual alegria dos seus reencontros, as duas amigas olharam-se. E foi neste olhar, caraterístico de quem quer mitigar saudades, que Luísa notou um brilho mais intenso e, sim, também aquele sorriso, que Luísa tão bem conhecia, denotava que Nela estava feliz!

Perante a curiosidade demonstrada por Luísa, Nela segurou carinhosamente as mãos da sua amiga e falou-lhe de Artur.

Aconteceu aquando dos seus passeios de fim de dia. Artur e Nela cumprimentavam-se quando se cruzavam, embora nunca antes se tivessem visto. Numa dessas ocasiões, Artur parou, olhou Nela bem nos olhos, cumprimentando-a mui respeitosamente e solicitou-lhe que lhe desse a oportunidade de a conhecer melhor. Nela acedeu. Depois de um café em que a conversa se prolongou, muitos outros encontros se seguiram. Nasceu, entre os dois, uma enorme empatia.

O semblante de Nela iluminava-se ao falar de Artur, por quem tecia os maiores elogios: muito gentil, respeitador, afável, um bom conversador, atencioso… enfim, possuidor de uma personalidade que cativou e encantou Nela!

Luísa escutava a sua amiga com a sensação de estar perante uma adolescente, tal o entusiasmo e a felicidade que as suas palavras denotavam!

Em boa verdade, Nela e Artur viviam já uma excelente relação íntima de afeto.

A conversa de amigas prolonga-se sem se dar conta que o tempo passa. E assim estava a acontecer com Luísa e Nela. Entre as duas, estava instalado um clima de pura felicidade. Luísa felicitava calorosamente a sua querida amiga pela sua capacidade de recomeçar uma nova vida com aquele ânimo e determinação. Por seu lado, Nela, sentindo-se bafejada pela sorte de se ter cruzado com Artur, reconhecia estar grata à vida por lhe ser concedida a oportunidade deste recomeço.

Chegou o momento de se despedirem. Luísa e Nela abraçaram-se! Nesse abraço, além de uma linda amizade, ficou também a alegria da boa-nova: Nela encetava um recomeço na sua caminhada pela vida, avistava agora um novo rumo que lhe poderia proporcionar novas oportunidades e que, certamente, seria uma lufada de ar fresco no seu dia a dia.

About the Author: Maria Reis
Maria Reis
Nasceu em 1947. É transmontana, sonhadora. Está aposentada da profissão de professora, tendo exercido docência nos 1º e 2º ciclo de Ensino Básico. O seu percurso de vida foi seriamente afetado pela Guerra Colonial Portuguesa, travada entre 1961 a 1974, período que viveu intensamente com o sofrimento de dolorosas perdas, saudades e muita instabilidade emocional. Acredita que a vida só faz sentido quando vivida com amor.

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