Maria Reis

por Maria Reis

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Clara e Joana conheceram-se num país que não era o seu, numa cidade onde os seus maridos, José e Raul, trabalhavam em boas empresas multinacionais. Este feliz encontro aconteceu numa das habituais reuniões de concidadãos que se realizavam com alguma regularidade. Foi, portanto, em ambiente algo festivo que se iniciou uma agradável conversa e, de um modo inesperado, surgiu um forte elo de ligação entre eles: Clara e José vinham de uma localidade onde vivia um irmão de Raul e com ele tinham mantido boas relações de amizade. Assim nasceu uma forte empatia entre eles.

Entre Clara e Joana havia alguma diferença de idades — o mesmo sucedia com os seus maridos. Clara e o seu marido eram um pouco mais jovens, quase recém casados e iniciavam a sua vida profissional.

Clara estava preparada para iniciar a sua carreira em advocacia. Sentia algum apoio nas reuniões de concidadãos; contudo, ainda faltaria algum tempo para que pudesse realizar o seu sonho. Joana referia que deixara de trabalhar após o seu casamento, que gostava de se dedicar a todo o trabalho de casa e que não quis prosseguir os seus estudos após ter terminado a escolaridade obrigatória.

Nada foi impeditivo para que, entre Clara e Joana, se desenvolvessem uma enorme cumplicidade, companheirismo e uma boa e afetiva amizade. Nas suas rotinas habituais nunca podia faltar um lanche, um café ou um passeio em que pudessem por as suas conversas em dia.

Assim se foram passando dias, semanas e escassos meses.

E, sim, a pouco e pouco, Clara foi dando conta de que, entre Joana e Raul, nem tudo devia estar bem. Era com alguma frequência, até mais que o desejável, que Joana se mostrava insegura e, embora sem queixumes, o seu semblante denunciava alguma tristeza. A desmotivação também morava com ela! Acontecia também que Joana ia fazendo perguntas que, embora envoltas em subtileza, deixavam  denunciar alguma curiosidade sobre o relacionamento mais íntimo entre Clara e José. Clara era perspicaz, possuidora de uma gentileza natural, dotada de uma boa e contagiante disposição e sempre se esforçava por criar uma boa harmonia ao seu redor. Assim, embora sentindo alguma estranheza nessa curiosidade de Joana, soube contornar essa situação sem que fosse criado qualquer tipo de constrangimento.

Surgia, no entanto, a preocupação: Clara estava ciente de que algo com alguma gravidade se passava na vida desse casal amigo!

Sem grandes alarmes, trouxe essa sua preocupação para uma conversa com o seu marido. Assim, Clara ficou a saber que Raul há algum tempo desabafava com José a sua permanente angústia por se sentir incapaz de lidar com os excessivos ciúmes de Joana. Também nessa conversa, José referiu que, em  todas as vezes que chegara mais tarde ou não viera jantar a casa, não fora por imposições de trabalho, mas, sim, para acompanhar o amigo que não conseguia ir para casa — onde o esperava uma mulher que ele continuava a amar, mas que não confiava nele; que parecia alucinada com histórias de traição que não passavam de fantasias. E José referiu mais um detalhe que Raul lhe confidenciara: numa outra cidade, onde Raul vivera na sua juventude, ele era assíduo frequentador de cabarés, era namorador e muito galanteador, gostava de se divertir. Num desses cabarés encontrou Joana, era esse o local de trabalho dela. Ali se conheceram e se apaixonaram; assim nasceu o seu grande amor e casaram.

Perante esta situação, Clara interrogava-se: Que fazer?

Eles amavam-se! A sua relação e a comunicação entre eles estavam enfermas. Clara sempre ouvira dizer, “entre marido e mulher, não metas a colher” e, na verdade, não era essa a sua intenção. Estava decidida a fortalecer esta amizade e, certamente, surgiria a oportunidade de poder dar um “empurrãozito”.

Intencionalmente, Clara acabou por sugerir a Joana um almoço mais íntimo entre os quatro, algo que nunca tinha acontecido. Joana abraçou a ideia com todo o entusiasmo e, de imediato, se comprometeu a organizar tudo em sua casa.

O almoço aconteceu no domingo aprazado. Como, entre os quatro, se instalara uma sã amizade, reinou a boa disposição com uma agradável conversa e boas gargalhadas. Assim, puderam usufruir de um ambiente de descontração, até divertido. Terminada a refeição, Paulo propôs ir tomar um café com José e, desse modo, proporcionar às suas esposas o seu momento habitual de por a conversa em dia. De imediato, Clara aplaudiu a ideia. Por seu lado, Joana aproveitou a oportunidade para mostrar à sua amiga o seu álbum de fotos de casamento. Mais uma vez, confidenciou que fora um casamento de muito amor e só lamentava não poderem ter filhos, uma vez que um seu problema de saúde não permitia que isso sucedesse. Clara continuava convicta de que não seria a ausência de amor a causa de eventual perturbação naquele casamento.

Raul e José tardavam em regressar. Joana começou a mostrar o seu nervosismo, insinuando já um comportamento de traição… Clara não conseguiu arranjar argumentos que a tranquilizassem, que a dissuadissem dessa sua ideia. A angústia, então, vivida por Joana foi de tal maneira intensa que já não falou a Raul quando este chegou, nem tão pouco olhou para ele. Raul e José traziam a proposta de saírem para jantar, pois já tinham reservado mesa para os quatro num restaurante. Perante este convite, Joana explodiu! Alegou ter sofrido o desprezo do marido toda a tarde. Não tinha disposição para sair…

Torna-se quase impossível descrever a tempestade que, então, se abateu sobre aquela casa. Ouviram-se palavras ruidosas como trovões. Ouviram-se acusações ao serem lembrados antigos comportamentos. E cada um deles, ao sentir-se magoado, ripostava ainda com mais violência como que querendo que cada uma das suas palavras, qual raio fulminante, ferisse o outro de morte!

Afinal, o que estava a acontecer? Clara não conseguia sentir ali ódio ou rancor. Afinal, eles amavam-se! Parecia haver, sim, uma enorme falha na comunicação entre eles.

Após este episódio, Clara sentia-se também no meio desta tormenta. Desejava intensamente que alguma água benta fosse derramada sobre estes seus amigos e lhes restituísse a paz que outrora os unira.

Durante escassos dias, Joana decidiu isolar-se. Quando quis retomar os habituais encontros rotineiros,  Clara acedeu com muito entusiasmo.

Foi com muita emoção à mistura que esse reencontro aconteceu! As duas amigas abraçaram-se calorosamente. Muitas  lágrimas foram derramadas. Após serenarem dessa comoção, Clara acedeu ao pedido de Joana: uma ajuda!

Clara começou por dizer que choros, gritos, acusações e regressos ao passado com agressividade nunca poderiam trazer, de novo, a paz e a vivência do amor que ainda sentiam um pelo outro. Pediu a Joana que não voltasse a duvidar do amor de Raul. Pediu a Joana que recebesse sempre o Raul com o amor que sentia por ele e, caso algo do seu comportamento a magoasse ou lhe despertasse ciúmes, que procurasse encontrar um momento oportuno e tranquilo para, serenamente, lhe confidenciar as suas queixas. Clara deixou claro que se tornava urgente que eles encontrassem boa harmonia na sua relação, que olhassem para o seu passado vendo, unicamente, uma excelente forma de se terem conhecido e apaixonado.

Estavam lançadas algumas sementes. Clara só pediu a Joana que as acarinhasse e as deixasse germinar e crescer para, finalmente, poder colher bons frutos…

 

About the Author: Maria Reis
Maria Reis
Nasceu em 1947. É transmontana, sonhadora. Está aposentada da profissão de professora, tendo exercido docência nos 1º e 2º ciclo de Ensino Básico. O seu percurso de vida foi seriamente afetado pela Guerra Colonial Portuguesa, travada entre 1961 a 1974, período que viveu intensamente com o sofrimento de dolorosas perdas, saudades e muita instabilidade emocional. Acredita que a vida só faz sentido quando vivida com amor.