Sónia Brandão

por Sónia Brandão

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Olho para o ecrã do telemóvel, e tento entender qual deve ser o meu próximo passo.

Sei o que quero fazer, sempre soube, mas também sei o que é mais correto de ser feito.

As duas opções são opostas.

Aqui, escolho… 

Tu és um sedutor. Sempre foste.

Mesmo tendo eu esta personalidade encantadoramente desafiadora e, por diversas vezes, mordaz, tu sempre conseguiste fazer-me querer-te, sempre conseguiste que eu fosse ao teu encontro, mesmo que, por vezes, tivesses de te desviar do teu caminho para que eu te pudesse acompanhar.

Mas, com o passar do tempo, todas as minhas dúvidas em relação a ti, em relação a nós, foram desaparecendo. E eu fui cedendo às tuas vontades, mesmo que, em algumas ocasiões, fizesse, como disseste algumas vezes, “frete” para te acompanhar.

Nunca foi fácil, eu sei, mas tu aprendeste a levar-me contigo, mesmo quando fazia “fretes”.

A nossa relação, a partir de algum momento, começou a ser definida por breves encontros, por fugidas entre os dias corridos, por pequenos momentos que tínhamos vontade de repetir, mesmo que não acontecessem com a frequência que desejávamos.

Houve momentos em que eu me questionava se estavam a valer a pena todos os sacrifícios sociais para continuar, mas, no fim, a balança sempre pendia para o teu lado.

Eu queria estar contigo. Preferia poucos e curtos momentos a nenhum momento contigo.

Quando estamos juntos, entramos na nossa bolha, no nosso mundo e tudo acaba por ser perfeito — pelo menos, para mim.

Mas, com o passar do tempo, este prolongar de algo, que deveria ficar num momento, tornou-se, em algumas ocasiões, penoso.

Volto a olhar para o ecrã.

Olho para a tua foto. És um homem lindo, mesmo que, por vezes, referir-nos a um homem como lindo possa parecer estranho. Tu és lindo, atraente. Sempre foste. Com um olhar que prende.

Temos isso em comum: falamos com o olhar, precisamos de nos olhar nos olhos. Talvez por isso façamos tantas videochamadas. Queremos olhar-nos, perceber o que o outro está a pensar, mesmo sem que nada seja verbalizado.

A atração física sempre teve um papel principal entre nós. A “química”, o que os outros veem quando olham para nós, é a atração que nos empurra na direção um do outro. Esta vontade de tocar, de estar com o outro sempre, mesmo estando em lados opostos da sala, sempre está lá.

Podíamos ter ficado por aqui, viver esta atração e não misturar mais nada, mas nós, como idiotas que somos, envolvemos a mente, o coração, tudo. Entregámo-nos um ao outro, como se nada mais importasse, esquecendo-nos da realidade no processo.

Escrevo a resposta. Apago. Reescrevo. Volto a apagar.

A nossa realidade atual não nos permite estar juntos.

Na verdade, desde a última vez que estivemos juntos, tive a certeza de que não o voltaríamos a repetir. É tudo demasiado intenso, demasiado desgastante, porque não existe mais nada do que aquele momento.

As tuas escolhas deixaram-me num segundo plano, uma espécie de banco de suplentes, que procuras sempre que a tua vida não funciona como desejas.

Eu sei a minha posição na tua vida hoje. Deixei-me ficar, nesse lugar, este tempo todo por diversas razões — por comodismo, por falta de amor próprio, por sentir demasiado amor por ti, pela atração que sempre existiu entre nós, por todos estes motivos e muitos mais. Mas, hoje, talvez seja o momento em que percebo que a minha posição na tua vida — aquela que me deste, não a que eu procurei — talvez já não seja minha…

Tu tens outra pessoa.

Tu escolheste estar com outra pessoa, e mentir-lhe deliberadamente, e eu aceitei que o fizesses.

Aceitei ser aquela que está lá para viver uns momentos, enquanto outra te acompanha na vida.

Não sei bem o que isto diz sobre ti, mas sei que não gosto do que diz sobre mim.

Olho para o ecrã e escrevo “Não”. Só uma palavra.

Não volto.

Lamento por nós, porque somos muito bons juntos, mas as tuas escolhas levaram-te noutra direção.

E eu caminho para longe, com a certeza de que vivi uma grande história, provavelmente irrepetível. Terei memórias contigo e sobre ti, que nunca me irão abandonar, mas sei que este é o momento de seguir, avançar e agradecer.

Apesar de toda a confusão atual, no passado, quando começou, foi muito bom. Vivemos coisas únicas, irrepetíveis.

Tenho muitas dúvidas de que as pessoas que, hoje, fazem parte da minha vida reconhecessem a pessoa que era antes de ti, porque a tua presença, na minha vida, fez-me muito mais mulher, muito mais eu.

Mas, hoje, os nossos caminhos separam-se.

Digito “Boa viagem para onde deves seguir”, e apago o teu número.

A minha rota é outra.

About the Author: Sónia Brandão
Sónia Brandão
Apaixonada por palavras, aprendeu, desde nova, a criar realidades paralelas na sua mente — onde tudo era possível. "Amor de Perdição" foi o primeiro livro que leu. Tinha 13 anos e foi a mãe que lho sugeriu para se ocupar. Desde então, nunca mais parou de ler. Durante alguns anos, no entanto, parou de escrever: sentiu que tinha deixado de fazer sentido. Mas o confinamento fê-la regressar à escrita com mais força e determinação. Este ano, surgiu a vontade de partilhar com os outros o que coloca no papel.

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