Sónia Brandão

por Sónia Brandão

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Os olhos são a visão da alma, dizem.

Os meus sempre olharam em redor à procura do nada e do tudo.

Sempre os usei para ver mais além. Enganei-me, por vezes, mas maioritariamente deram-me oportunidade de conhecer a essência dos que me rodeavam.

Contigo não foi diferente…

Existem pessoas que não nos olham nos olhos. Preferem esconder-se atrás das paisagens que os rodeiam.

Tu és como eu, preferes olhos nos olhos, porque aí consegues perceber quem está à tua frente. Mais do que aquilo que vês, mais do que aquilo que te transmitem, consegues ler para lá do visível.

Desde que nos conhecemos sempre nos olhámos nos olhos. Recordo-me de ter tirado os óculos de sol, para que esse contacto pudesse acontecer, porque queria conhecer a tua alma, e queria que conhecesses a minha.

Não acredito que, em momento algum, nos tenhamos enganado. Fomos honestos e, ao contrário do previsível, entregámos quem éramos, onde estávamos, as dores que ainda nos perseguiam. Foi um encontro para lá do normal.

Em conversas posteriores, ambos reconhecemos que tudo era estranho, por ambos termos derrubado as barreiras que tínhamos, em frente um ao outro. Para muitos seria somente um encontro com um estranho onde seria fácil derrubar barreiras, mas nós não éramos assim.

Éramos ambos demasiado reservados para falarmos abertamente com um estranho sobre as nossas dores, para não ficarmos com os olhos mareados de lágrimas, ao descrever as dores que ainda sentíamos.

Quando nos despedimos nesse dia, o abraço que demos foi algo que nos marcou aos dois. Talvez porque nenhum contava com este momento. Talvez porque nenhum estava preparado para o que se seguiria.

Ao olharmos para trás, nenhum consegue encontrar uma explicação verdadeira para o que aconteceu.

Para mim, sempre foi porque era para ser. Sempre to disse.

Nenhum de nós estava pronto para iniciar uma relação naquele momento, para além de uma amizade.

Ficámos amigos. Sempre que um de nós tinha necessidade, falávamos. Tornámo-nos presença ausente na vida um do outro.

Por vezes, tentei parar de o ser, porque sentia que te estavas a tornar demasiado importante para mim, mas, como sempre disseste, tornávamos a vida um do outro mais sã. Éramos a voz da razão quando a nossa razão não conseguia falar.

Vivemos assim durante algum tempo, enquanto nos curávamos, enquanto nos reerguíamos, e aprendíamos a viver as nossas novas realidades.

Quando temos alguém na nossa vida, seja amigo, seja namorado, seja família, que nos conhece somente por olhar-nos nos olhos, não o podemos deixar partir, porque a essência da cumplicidade existe aí.

Reencontrámo-nos naquele momento. As palavras foram desnecessárias. Sorrimos e vivemos.

Senti que aquele era o meu encontro com o destino. Tu também o sentiste, confessaste mais tarde.

Mas não era. Ainda não…

Ficámos com medo, com medo da intensidade do que vivemos.

Continuámos a ser amigos a viver as dores um do outro, a acompanhar a caminhada um do outro, em separado.

Mas os encontros do destino estão marcados e, na hora certa, acontecem.

Hoje, olhamos para trás e sabemos que iniciamos a nossa estória no momento certo, quando ambos estávamos preparados para sermos a pessoa um do outro.

Estamos juntos, sim.

Continuamos a olhar-nos da mesma maneira. Continuamos a conhecermo-nos como no primeiro dia.

A única diferença é que, hoje, estamos na mesma estrada, na mesma direção, juntos.

About the Author: Sónia Brandão
Sónia Brandão
Apaixonada por palavras, aprendeu, desde nova, a criar realidades paralelas na sua mente — onde tudo era possível. "Amor de Perdição" foi o primeiro livro que leu. Tinha 13 anos e foi a mãe que lho sugeriu para se ocupar. Desde então, nunca mais parou de ler. Durante alguns anos, no entanto, parou de escrever: sentiu que tinha deixado de fazer sentido. Mas o confinamento fê-la regressar à escrita com mais força e determinação. Este ano, surgiu a vontade de partilhar com os outros o que coloca no papel.

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