por Maria João Amaral Graça
E, do nada, um sopro de felicidade apoderou-se do seu corpo amadurecido, elevando o seu ego até às nuvens. Uma sensação aterrorizante de bem-estar (que se havia esquecido de como era), e que começou lentamente de baixo para cima. Só podia ser efeito da serotonina e da dopamina, que buscavam atingir a sua melhor performance. Passou rapidamente os olhos pela bula, saltando a parte dos efeitos secundários. Quanto a esses, ocupar-se-ia deles numa outra altura. Agora, só desejava poder sentir novamente.
A meio do caminho, quase a tocar o coração, a Felicidade parou para refletir, pois ainda carregava restos dos traumas que demorariam a desaparecer. Sentia-se a fraquejar. Mal se aguentava nas pernas, a garganta arranhada pela secura, e um formigueiro nos dedos das mãos, que dificultavam a escalada. Segurou-se com força à pele, gasta pela quase meia década que já lhe pesava nas articulações, e olhou para cima, num completo estado de pânico. O cume parecia-lhe inatingível.
Os fantasmas surgiam de todos os lados. Os medos! O medo de cair e não se conseguir levantar. O medo de falhar. O medo das críticas. O medo da rejeição. Malditos monstros que a perseguiam, e que a impediam de avançar. A pergunta que se colocava era: iria a Felicidade permitir que eles a controlassem? Mais uma vez?
Inesperadamente, um sorriso delineou-se nos lábios, ao ouvir uma voz que tão bem conhecia e que lhe sussurrava ao ouvido: «Sobe, sobe, Felicidade, sobe». Olhou para cima e pensou: «Falta pouco, mas e se…»
Mau! Agora são os “ses”?
Na escalada da vida, existirão sempre obstáculos, senão até nem tinha piada. É compreensível, desde que surjam em doses moderadas — porque, convenhamos, quando os “ses” são a mais, não há vozes de apoio que aguentem, nem toda a serotonina do mundo que valha. A verdade é que alguns humanos são realmente complicados, e, por vezes, causam bloqueios desnecessários à tão desejada alacridade, que se vê aflita para atingir o clímax do bem estar. Todavia, nunca vi tanta coragem e perseverança em algo tão frágil como a Felicidade. Ela suporta as inseguranças e contrariedades, e retoma diariamente o seu percurso, após olhar-se ao espelho pela manhã e dizer: «É hoje!»
Mas adiante. Onde havia mesmo parado a Felicidade? Sim, já me estou a lembrar. Tinha chegado ao peito, de onde se podiam ouvir nitidamente as batidas aceleradas do coração. A melodia pela qual vale a pena viver. Ela precisava de seguir em frente, escalando pelas curvas da alma ao som das vozes que não a deixavam desistir:
«Deixa-te Subir…
Deixa-te Surgir…
Deixa-te Sentir…»