Albertina Silva

por Albertina Silva

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Pina Bausch deixou uma visão que sempre me disse muito: «O que me interessa não é como as pessoas se movem, mas, sim, o que as move.»

Eu gosto de ver o que move alguém. Não para julgar. Não para criticar. Não para nada disso que o ego gosta. Gosto de observar o que move a alma de alguém. Dia após dia, a música vai mudando, a sua dança muda com ela — o mesmo som, outras vezes não.

Então, a qualidade é muito importante, pois são mil músicas para se conhecer, em tão pouco tempo, alguém.

Sempre que escrevo, procuro fazer entender — agora mais do que nunca — que não escrevo sobre o que está certo ou errado, ou sobre o que é verdadeiro ou falso. Mudei o barco e sou outro marinheiro. Escrevo o que, para mim, neste momento — como sou e como estou —, me diz muito.

No fundo, estou assim, agora.

A música que me move leva-me a precisar de parar para ver o que move o outro, e o som da sua música. Tenho pouco espaço para muito — sendo leal ao que escrevi em cima — e procuro ser.

Faz-me confusão dar cinco minutos a uma música, e depois a outra música, e depois, quando me deito, arrisco-me a adormecer com tanto ruído desconhecido, que posso perder-me de mim e do mundo. Não arrisco a paz de estar com tempo. Não arrisco a oportunidade de ser intensa ao sabor de uma música que vim ouvindo e observando como se fosse valiosa — e é; como se fosse única — e é.

A música que nos move é tão subtil que, na correria dos dias — acaso se escolha viver em eterno concerto —, pouco se descobrirá sobre a dança de alguém… até sobre a sua própria dança.

É difícil ser seletivo nesta fase da nossa vida no planeta Terra. Há muita fome. Em todos os sentidos.

O que nos move? Fico, muitas vezes, na dúvida: se é o que parece bem no quadro de honra, ou se é o que habita no fundo de cada um.

A música diz muito. Tanto se cala. E fica. Mexe com a alma, não mexe? Esse movimento…

Numa escolha pessoal cada vez mais virada para um desapego ao ter razão, à queixa, ao desespero de algo que sangrava e tornava impossível manter um movimento em mim constante, equilibrado e tranquilo, sentia que, se mudasse de estação, me deixariam de lado. Porque sempre aquele mais, mais fazer, mais dizer, mais mostrar, mais estar ali, e acolá, e acoli, e em lugar algum… depois de um CD acabar.

Quem deixa de lado é outra coisa que não a música e o que move alguém.

Hoje, sim.

Amanhã, não.

Negócios são negócios.

Música é música.

O que nos move é diferente.

O exercício também: da atenção, da escuta, da presença, da ligação.

Um amigo dizia que a música se ouve triste. E o vocalista dos Radiohead vai na mesma onda.

Um amigo dizia que já não ouvia música com letras. Fez isso — depois dessa decisão — uma vez, por mim.

Um amigo disse-me que só apreciamos verdadeiramente blues após certa movimentação na nossa vida. Criou-me uma playlist para que eu ouvisse: «Já percebi do que gostas. Vamos deixar de lado as mais dramáticas.» E ainda hoje tenho essa playlist numa pasta do meu PC.

Um amigo mostrou-me uma música que não conhecia, e eu mostrei-lhe uma música que ele não conhecia. E, ainda hoje, e sempre, só o tempo mostra o que movimenta os ouvidos que escutam e o corpo que dança.

Esta vida é uma dança. Uma slow dance.

As músicas mudam. O que move as pessoas também.

Podemos ouvir — não significa que vamos atrás.

Podemos ver — não significa que vamos copiar.

E, assim como nos concertos, dentro do nosso universo, o mesmo se passa.

Só assiste e fica quem gosta do som e da dança. Ficar mesmo, de verdade.

Como este pensamento que Pina Bausch também nos deixou: «É preciso que tudo seja visto, que nada escape.»

Há visões que devemos guardar. Aprender a usar. Muitas delas estão em músicas que nos chegam — às vezes — de quem menos se espera.

Estejamos atentos. E tenhamos tempo.

Acho que o que me move tem música e estrelas.

Um céu que tem estrelas lá, em cima, e fé cá, em baixo, de que todos sentem saudade e nem sequer o mais belo escritor soube traduzir na sua essência.

Só dançando. Sentindo. Vivendo. Simplificando.

Então, como não sei, move-me a coragem de desaprender e aprender.

A melhor música que conheço para este movimento que me move, dentro desta crónica que, uma vez por mês, escrevo para a emootiva, é um tema de Seal: Love’s Divine.

Porque sou toda amor e luz? Não.

Porque sou humana? Sim.

 

About the Author: Albertina Silva
Albertina Silva
Escreveu o livro "Acorda". Participou em blogs de escrita criativa e foi vencedora do 16º Campeonato de Escrita Criativa realizado por Pedro Chagas Freitas. Declamou poesia e ouviu poesia. Ausente do mundo da escrita durante alguns anos, regressa para dar vida à sua paixão de infância, talvez, vida. Tem 45 anos e acredita que é preciso viver para conseguir escrever.

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