por Madalena Matias
E se soubessem que, amanhã, não teriam a vossa mãe? O que lhe diriam hoje?
Deitada numa cama de hospital e já a soro e morfina, lá estava ela já só de corpo presente. Respirava muito fundo, quase ressonava, mas será que ouvia? Será que, agora, valeria a pena dizer alguma coisa? Com o coração despedaçado, ao ver aquele cabelo branco que, outrora, fora castanho, comprido e cheio de vigor, como a mãe feliz que era, não só não sabia se aguentaria a avalanche de lágrimas que se aproximavam, como queria gritar à mãe para parar com esta brincadeira e voltar a curar aquela ferida que a consumia, como todos os joelhos ralados que, outrora, eram curados com a pomada mágica da mãe. Queria acordar do pesadelo. Queria que ela soubesse que estava tudo bem, que não se preocupasse com a sua filha, porque ela ia sobreviver, como a mãe lhe tinha ensinado a fazer. «As tuas asas são para voar, minha querida, mas nunca voes para longe do que te faz feliz.» E aquele lugar não a fazia nada feliz. Olhou para o relógio e chegara o fim da visita. Com um beijo na testa, como a mãe lhe fazia quando estava prestes a adormecer, sussurrou «Até amanhã, mãe.»
Damos como garantida a presença de algumas pessoas na nossa vida e, só quando começamos a ter ligeiros sinais de que essa premissa é falsa, tendemos a seguir o rumo da vida como o levamos até então. Há algo, em nós, que diz que nada mudará e que fazer as coisas de forma diferente significa assumir uma despedida precoce. Mas como assim? Perder uma mãe? A nossa mãe sempre lá esteve. Aquela mulher que nos pôs no mundo. Ou seria ela o mundo? Cabíamos nela como nunca caberemos em lado nenhum, e, com alguma sorte, somos dos poucos que ainda lá cabem de vez em quando. Foi a mãe que nos embalou milhares de vezes. Foi a mãe que nos beijou o rosto, vezes sem conta. Foi a mãe que não sentia ser fardo tirar-nos fraldas. Foi a mãe que foi ao quarto conversar connosco quando não estávamos bem. Foi a mãe que fez uma comida diferente porque sabia que não gostávamos muito de peixe cozido. Foi a mãe que nos ensinou a maior parte dos valores empáticos que temos. Foi a mãe que nos fez querer ir para casa, todos os dias, e sentirmo-nos em paz.
Absurdo é a primeira definição de mãe num dicionário ser «mulher que deu à luz um ou mais filhos». Parece friamente absurdo. Mas, olhando bem, esta mulher tem algo de especial. Não que quem não tenha tido filhos não o possa ser também, mas mãe tem um propósito diferente. Na raiz mais íntima da definição, a mãe dá mesmo à luz, vida. Nobreza tal que, no sítio onde havia vazio, porventura até escuridão, passou a haver luz. Existe mesmo este ato de dar, porque, no fim de tantos anos investidos, aliás, grande parte de sua vida, ela cede esse pedaço de vida sabe lá ela a quem. Os filhos nunca são de uma mulher, apesar de ela os criar como seus. Não há nada de mais especial do que uma mãe ceder partes de si para uma vida que nunca será sua.
Uma vez, ouvi uma amiga dizer: «Pode haver muitas mães boas, mas não admito que ninguém diga que tem uma melhor do que a minha.» Claro está que, em termos técnicos, talvez existissem, mas o que faz alguém declarar tamanha frase? Sentir o amor de uma verdadeira mãe. Sentir a cumplicidade que só mães e filhas, de verdade, sentem. E lamento se com a vossa não foi assim. Ninguém devia ter falta de mãe. Devia ser crime punível e remediável, mas não é. Lamento mesmo se não tiveram Mãe. Eu tenho.
Foi quando presenciei todo aquele cenário de despedida, entre mãe e filha, numa cama de hospital, que percebi que não digo as vezes suficientes à minha mãe que a amo. Caramba, hoje, podia ser a última vez que lhe digo boa noite e, amanhã, ligarem-me a dizer que nunca mais o poderia fazer. Então, se estás a ler isto, mãe, eu amo-te.
As mães não são eternas. Se não as tivéssemos amanhã, o que lhes diríamos hoje? Provavelmente, desabaríamos só de imaginar esse cenário, mas a questão é que deixar coisas por dizer corrói mais do que alimentar o orgulho ferido que criámos quando abandonámos a criança que dizia à sua mãe, sem pudor, «gosto muito de ti, mamã.»
Não consigo imaginar a quantidade de coisas que aquela filha queria dizer à sua mãe, ao pronunciar as palavras «até amanhã, mãe». Mas era tarde demais.
Talvez para ti e para mim não seja.
Então, pega no telemóvel, liga à tua mãe, ouve a sua voz, faz jus à luz que ela criou no mundo. Se tens a tua mãe, tens tudo. Quando não a tiveres, não terás nada, ou quase nada.
Olá, mãe!
Lindíssimo texto! Parabéns 🙂