Daniela Rodrigues

por Daniela Rodrigues

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Minha querida pequena,

Sabes, a vida não correu como tu planeavas: não segui os caminhos que sonhavas; não fiz as coisas grandiosas que imaginavas que iria fazer; não segui aquele caminho correto, onde tudo tem uma sequência certa para acontecer na vida.

Não me tornei designer de moda, como acreditavas que seria. Não consegui ter aquela grande herdade com uma enorme casa, belos jardins, piscina e animais. Não fui tirar mendigos da rua para lhes dar casa e trabalho nesse sítio meu. Não lhes dei um teto e uma vida, nem paguei a educação dos seus filhos. Falhei aqui, neste grandioso projeto que tinhas para mim.

Não me tornei bióloga marinha, nem tratadora de golfinhos. Aliás, não sei nadar sequer!

Não trabalhei em investigação, no ramo das demências, nem me especializei no campo do alzheimer, para que outros não sofressem o mesmo que tu. Desculpa.

Não tenho uma grande e entusiasmante vida.

Não tenho uma carreira prodigiosa. Sou só uma operária fabril. Lamento ter-te desiludido, pequena.

Não vivi um grande amor, uma paixão arrebatadora, nem conheci o fogo de artifício interior. Não tive o meu conto de fadas ou o meu final feliz, como achavas que ia ter, tal como nos livros que sempre teimaste em devorar.

Não casei antes de ter filhos. E, pior… separei-me do pai do meu filho e tornei-me mãe solteira. Que vergonha terias de mim, naquela altura, onde tudo isto era impensável?

Contei tostões e passei fome. A mãe mandou-me calar quando eu disse isto. Ela nunca soube. E ainda me respondeu que eu não sabia sequer o que isso era. Tão cega.

A mesma mãe que disse que tu, pequena, não devias ter nascido porque só fazias asneiras. E a verdade era que só querias atenção, só querias ser amada. Só querias sentir-te amada.

Falhamos as duas. Tu e eu, minha pequena.

A vida deu demasiadas voltas. Tu ficaste presa no passado e eu segui, sendo apenas uma sombra do que devia ter sido.

Sabes, pequena, às vezes, acredito que há mais, tal como tu acreditavas. Às vezes, acredito que também tenho direito a conseguir e a ser feliz, tal como tu julgavas que iria ser. Mas, muitas vezes, também vem aquela vozinha, que sempre ouvimos, a dizer que não somos capazes, que não somos merecedoras.

Será que tu já conhecias o abraço negro que ficou comigo, depois de cresceres mais um pouco? Aquele aperto cá dentro, que não me deixa sorrir, mas também não me permite chorar?

Acho que não curaste as tuas feridas, pequena. E eu continuo a seguir com elas bem abertas. Não se tornaram cicatrizes. Continuam a sangrar de cada vez que algo ou alguém lhes toca.

E a avó? Aquela que idolatravas? Aquela que perdeste. Que perdemos. Achas que ela teria orgulho na adulta que me tornei? Ela também me faz falta, sabias?

Minha pequena: este foi o nome que o amor, um dia, escolheu para me tratar — aquele amor com quem partilhei sonhos e objetivos, mas cujos caminhos se separaram. Aquele amor que esperei e que, se tivesse voltado naquele tempo, seria dele de novo e para sempre. Mas tu também gostavas de amores mais trágicos.

Minha pequena, serás sempre a minha pequena, tal como eu serei sempre a pequena dele. Mesmo que seja noutra vida.

Perdoa-me por ter seguido um caminho diferente daquele que sonhavas. Talvez, um dia, possa ser diferente.

Mas, sabes, fiz algo que tu ansiavas com todo o teu coração e a tua alma: fui mãe! Este era o teu desejo. O único que eu pude cumprir. Espero que te orgulhes, pelo menos, desse pequeno ser que nasceu de nós.

Até um dia,
Pequena.

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