por Nina da Silva

Foram dez anos de uma vida a dois que culminaram numa questão de dias. O teu silêncio condenou-nos. Dizias sempre que estava tudo bem, mesmo quando os sinais indicavam o contrário. Não te podia obrigar a falar, mas sabia que não era verdade. Porque tinhas tanto medo de ser sincero? Podíamos ter encontrado uma solução.
Sei que sempre foste um lobo solitário – a tua vida, as tuas regras, o teu eu. Sei que nunca viveste com ninguém para além da tua família. Sabia que o passar do tempo e a rotina iam apanhar-te de surpresa. Partilhar casa não é fácil, nem com colegas, nem com a pessoa que amamos.
Uma casa tem sempre coisas para tratar, arranjar, manter, limpar, pagar. Quando é novidade, há entusiasmo. Quando passa a rotina, é apenas mais uma obrigação, um tédio. A relação não é diferente. No início, o ímpeto não falta, mas esmorece com o tempo e com a repetição dos dias e, tal como a casa, é preciso um esforço adicional para a manter.
O mal foi ter sido tudo novo para ti, foi teres toda uma aprendizagem por fazer. Para mim, as novidades já não eram muitas. Desde os meus 18 anos que ando neste mundo por minha conta. Já havia experienciado muito daquilo que ainda ias viver. Disse-te sempre para teres calma, para não ires com tanta sede ao pote. O que segura a relação e a convivência é o sentimento e este só sobrevive se for nutrido ao longo do tempo. O entusiasmo inicial passa. A seguir é que vem todo o trabalho.
A vida é bem mais complexa do que parece. A maturidade, que ganhaste no mundo do trabalho, não é suficiente no que às relações interpessoais diz respeito. Lidar com colegas ou mesmo irmãos não é o mesmo que lidar com a tua mulher. É um patamar acima no que à comunicação diz respeito, embora esta seja um pilar importante para todas as relações.
Podias ter dito que estavas assoberbado, que não estavas disposto a abdicar da tua vida e das tuas coisas, que não estavas preparado para isso. Podíamos ter trabalhado juntos de forma a lidar com a situação, para que chegássemos a bom porto. Podíamos ter ido com mais calma. Disse-te tantas vezes para seres menos impaciente e menos inquieto. Que isto (a vida) não é uma corrida. Que cada um sabe de si, que não há uma receita mágica que resulte igual para todos, mas reviravas os olhos e encaravas-me com condescendência, como se eu não soubesse nada da vida.
A vida não é uma check list. Se sou adulto, logo tenho que ter trabalho, casa, mulher e filhos e achamos que as coisas acontecem, por si, de forma natural, mas não é assim. Ter tudo nem sempre é boa ideia. Não temos todos perfil para o mesmo. Manter tudo isto exige sacrifícios, abdicar de algumas coisas. Romantiza-se muito o pacote e, para muitos, ainda é tabu assumir a desilusão com a realidade. Que tudo tem um custo muito elevado e nem todos estamos preparados para o pagar. Não és menos do que os outros, se não picares os pontos todos da lista. Quem é que te garante que eles são felizes? Muitos não o assumem. E tu também não.
O tempo passou e tu foste afastando-te, negando sempre quando te dizia que tu não estavas bem, inventando sempre uma desculpa. O que quer que fosse, que te incomodasse, guardavas só para ti.
Por que é que desististe de mim? De nós? Porque aceitaste a derrota sem sequer ter dado luta? Porque decidiste que não valia a pena falar sobre o assunto e tentar lidar com ele? Por orgulho em admitir que os meus receios eram válidos? Que, afinal, eu sabia uma coisa ou duas sobre a vida?
Um dia, cansei-me de estar a remar sozinha neste barco. Tinhas-te acomodado. Perguntei-te se querias que me fosse embora. Disse-te que sentia que não estava a fazer nada ali. Respondeste que talvez fosse melhor. Esperaste até que eu cedesse e que desse o primeiro passo, apesar de já teres desistido há muito. Para isso tiveste paciência. Para tudo o resto não. Ou foi só covardia?
Peguei no que restava de mim e fui embora. Deixei o lobo sozinho na sua toca.