por Sofia Reis Cardoso

Estamos exatamente no mês da comemoração do Dia da Liberdade em Portugal, mas, 51 anos depois da Revolução dos Cravos, parece-me cada vez mais necessário falar sobre este tema. Mais do que falar de liberdade, é necessário falar da liberdade das mulheres.
Muito se tem escrito nos últimos dias, nas redes sociais, depois da publicação de um vídeo por um «suposto influenciador», que veio dizer que as mulheres que são casadas, ou têm namorado, não se devem vestir de determinada maneira, usar determinado perfume, ir a discotecas e outras barbaridades do género. Um grande número de pessoas já se manifestou sobre este assunto, sendo que eu própria partilhei a opinião de uma psicóloga com a qual me identifiquei, pelo que penso que não haverá muito mais a dizer, até porque desconheço o contexto e a realidade daquela pessoa e, principalmente, da sua namorada.
Fomos também confrontados, na mesma semana, com a existência de um jogo, cuja venda foi, felizmente, já proibida em Portugal, que encorajava abusos sexuais a mulheres.
Que a liberdade da mulher é tantas e tantas vezes posta em causa, creio que já não é sequer discutível, pois refiro dois exemplos em que, claramente, a liberdade das mulheres é ameaçada e considerada suscetível de ser manejada por pessoas para além da própria, ou sem o seu consentimento.
Portanto, é um tema que, pelos piores motivos, está sempre na ordem do dia.
Gostava de me focar, agora, na verdadeira sensação de liberdade da mulher após ser vítima de abusos, quer sejam eles físicos ou emocionais. Considero que poucas são as vezes em que pensamos sob esta perspetiva, para a qual precisamos de ter a maior empatia.
O que acontece à liberdade da mulher quando ela é agredida de todas as formas? Vou trazer à discussão mais um caso que foi falado, nestes dias, nas redes sociais, não tanto a nível nacional, pois, sendo os protagonistas de uma cidade mais recatada do país, não teve tanta projeção, apesar de, quando a notícia das agressões foi pública, o assunto ter sido inclusive discutido em programas de análise criminal.
Neste caso, o agressor, depois de a mulher lhe transmitir que se pretendia separar após cerca de 20 anos de uma união de facto e uma filha de 16 anos em comum, decidiu rapar-lhe o cabelo e as sobrancelhas, violá-la e cortar-lhe o dedo indicador, sabendo que a iria prejudicar gravemente, pois a sua profissão é cabeleireira. Ao longo dos anos, o agressor já tinha perpetuado outros episódios de violência; no entanto, foi esta a situação limite que levou à decisão judicial que resultou na sua condenação a 16 anos de prisão pela prática de vários crimes. Feito o enquadramento para conseguir chegar onde queria, detenho-me, agora, nos atos macabros que o agressor impôs à mulher.
Como é que uma mulher fica depois de atos tão desumanos? Ainda que tenha existido uma condenação, esta e outras mulheres que passaram por situações semelhantes — centenas delas que chegaram a ser assassinadas — alguma vez mais, na sua vida, vão sentir-se livres? E ainda há os que ficam soltos, ou com penas suspensas. Aqueles homens roubaram-lhes o corpo, a imagem, quem sabe o amor-próprio, a vida tal e qual ela era até àquele momento trágico.
Quanto tempo será necessário para uma mulher conseguir retomar a sua vida? Algum dia conseguirá curar estas feridas?
São questões que me atormentam e que acredito que dependem muito de mulher para mulher e de situação para situação. Mas creio que é comum a todas a sensação de que foram obrigadas a fazer coisas que não queriam, de que os limites que impuseram foram ultrapassados, de que o «não» que dirigiram foi propositadamente desrespeitado, de que a invasão do seu corpo e da sua vida foi arrebatadora. Sentiram dores físicas superiores à capacidade humana e dores emocionais que, provavelmente, nunca vão deixar de doer.
A capacidade de voltarem a ser parte numa relação será sempre um receio, uma luta em que, por muito que exista vontade, estará sempre presente o medo de que a situação se possa vir a repetir.
Nas ações limite, é retirado o direito à vida destas mulheres: é a escolha de um homem que, numa atitude em nada humana, rouba a possibilidade daquela mulher continuar a viver, retirando-lhe a vida, bem como fazendo com que os que a rodeiam deixem de a poder ter presente. Nestes casos, é retirada a liberdade máxima à mulher — a de viver —, não lhe permitindo reagir de qualquer forma.
Cabe-nos a nós, enquanto sociedade, enquanto mulheres, disponibilizarmo-nos sempre — com mais ou menos intensidade, consoante a necessidade e abertura da mulher naquela fase, sem nunca a fazer sentir-se desconfortável —, sempre que tenhamos conhecimento de que uma mulher ao nosso redor sofreu, há muito ou há pouco tempo, uma crueldade deste tipo. E entendendo que devemos ajudá-la, com a maior empatia e respeito, da forma mais conveniente, para a apoiar a restabelecer a sua vida, a devolver-lhe a sua liberdade.
Não podemos desistir de ser livres. Nunca! Sejam quais forem as nossas circunstâncias.