Sónia Brandão

por Sónia Brandão

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Durante um longo tempo, tu deixaste de estar na minha mente.

Durante dias, meses, eu parei de recorrer a ti. Deixei de me lembrar dos bons momentos. Deixei de recordar, simplesmente.

Tornaste-te numa memória longe da minha memória.

Mas, hoje, assim que fechei os olhos, a tua imagem surgiu na minha mente. Apareceu vinda do nada. Só apareceste com o teu sorriso, com os teus olhos brilhantes e confiantes, como se estivesses mesmo em frente a mim e não somente na minha mente.

Observo-te, na minha mente, ainda com os olhos fechados, com a desconfiança de alguém que sabe que memórias vais despertar.

Vem o toque. Vem o sabor do teu beijo. Vem o sorriso infinito de ambos. Quase sinto os teus braços ao meu redor. Quase sinto o teu cheiro. Quase…

Abro os olhos para fugir de ti, mas continuas em frente a mim, mesmo com os olhos abertos, olhando para o escuro da noite. Parece que a tua imagem, o teu cheiro, o teu toque invadiram tudo dentro de mim.

Procuro as minhas memórias deste momento, mas não as encontro. Nunca existiram.

Esta imagem é a soma de muitos momentos, transformando o irreal em algo real, para mim.

Dizem que as datas trazem os momentos de volta, trazem as pessoas que ainda fazem parte de nós de volta. A sua presença volta a ser sentida na nossa mente, no nosso coração, na nossa alma. Essa conexão, que nunca acabou, volta a ser reavivada.

Talvez seja só isso, mas…

Porquê agora, quando ambos partimos da vida um do outro, conscientemente?

Ambos saímos porque o que estávamos a fazer o outro perder tornou-se muito maior do que aquilo que estávamos a ganhar juntos.

Existem vínculos que nunca se quebram por mais que a vida passe.

Eu sei disso, mas, sempre que invades a minha mente de novo, volto a ser quem achei que tinha perdido.

Volto a ser a mulher segura. Volto a ter a confiança que, por vezes, deixa de fazer parte de mim. Volto a saber por onde quero seguir. Volto a saber quem sou de verdade, sem me ver pelos olhos dos outros, mas vendo-me através do reflexo dos teus, que sempre me favoreceram e tornaram melhor por isso.

Queria voltar a ter-te.

Queria voltar a sentir-te colado a mim, a sentir o teu cheiro, a sentir o teu sabor, a olhar-te. Somente isso bastava, por breves segundos. Sem o julgamento que a minha mente faz, sem que eu a consiga controlar.

Porque a mulher que fui contigo foi a minha melhor versão, sem julgamentos, sem tabus, sem filtros. Só eu para alguém que até hoje não me deixou.

Por vezes, gostava que o fizesses. Que me deixasses seguir, sem permaneceres dentro de mim. Mas sei que tal não pode acontecer. O que fomos ainda ocupa demasiado espaço, dentro de mim, para te deixar partir.

Acredito que sempre será assim, mas, com o tempo, talvez as memórias se tornem menos reais, porque com o tempo tudo se desvanece.

Para ti, que me visitas em sonhos, que não recordo.

Para ti, que invades a minha mente quando as luzes do dia se apagam.

Para ti, que me habitas.

Até um dia.

Tudo volta no devido momento.

About the Author: Sónia Brandão
Sónia Brandão
Apaixonada por palavras, aprendeu, desde nova, a criar realidades paralelas na sua mente — onde tudo era possível. "Amor de Perdição" foi o primeiro livro que leu. Tinha 13 anos e foi a mãe que lho sugeriu para se ocupar. Desde então, nunca mais parou de ler. Durante alguns anos, no entanto, parou de escrever: sentiu que tinha deixado de fazer sentido. Mas o confinamento fê-la regressar à escrita com mais força e determinação. Este ano, surgiu a vontade de partilhar com os outros o que coloca no papel.

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