por Albertina Silva

Falar de silêncio é lembrar o amor. Para mim, esta separação é impossível.
O silêncio tem sempre a ver com algo que não pode ser manifestado em palavras, seja pelo motivo que for. Às vezes, as palavras ditas por amor saem tortas, eu sei, mas, no meio delas, a verdade: o amor é a maior força deste mundo. Carrega tanto silêncio dentro dele, que, dentro dos nossos peitos, às vezes, é impossível soltar a tamanha bola de fogo que poderia sair, acaso não fosse o silêncio.
O silêncio também tem palavras, e, entre os espaços ocupados por vírgulas, pontos finais, reticências e até o nada de pontuação, o silêncio está lá, a esconder a verdade, a pedir força para continuar, a adormecer entre um intervalo de tempo — que, às vezes, são minutos; outras vezes, anos; outras vezes, para sempre.
O amor é silêncio.
O silêncio depois da tempestade.
O silêncio depois do orgasmo.
O silêncio depois da verdade.
O silêncio perante uma lareira.
O silêncio durante um abraço, durante um olhar, durante duas mãos que se dão, durante um sorriso, durante um adeus, durante um cá estou.
O silêncio que não pode nunca ser traduzido: das noites que passam como tigres, dos dias que rugem como leões. Quem sabe do que se passa silencia-se. O amor está aí, nessa compreensão.
O silêncio que fica depois do adeus. Dizer adeus é do mais silencioso que há. Tantas palavras se inventam e, nos últimos minutos, olhamos os olhos do ser amado à nossa frente e o silêncio… como se fôssemos outros a falar, e apenas o olhar para recordar.
O silêncio contou-me que:
Um dia, no aeroporto Sá Carneiro, um homem e uma mulher olharam-se pela última vez, em silêncio. Tudo perceberam; e o que não sabiam, aceitaram.
Um dia, um homem e uma mulher de diferentes países olharam-se uma última vez, num país estranho aos dois, antes de falar o insignificante, e nunca mais se puderam amar.
Um dia, um filho olhou a sua mãe, uma mãe olhou o seu filho, e tudo o que disseram depois foi só para doer menos.
Um dia, na cama do seu quarto, onde vivia há meses com uma doença terminal, uma mulher, nos seus últimos momentos, olha a menina que gostava de colocar a sua mão pequenina em cima da sua mão magra e ossuda, e despediram-se sem perturbar o silêncio do que acontece para lá da compreensão.
Um dia, um homem morre sozinho dentro do seu carro. Uma mulher observa, em silêncio, a sua partida, até ao momento em que alguém deixa a corda que guiava o caixão para a cova desequilibrar-se e, como se tudo se partisse naquela cena, o seu silêncio se torna lágrimas pesadas que lhe caem do rosto como chuva. E estava sol.
Um dia, uma mulher dirige-se a outra mulher a falar sem parar. Fala e fala e fala. Mas fala tanto que a outra, sem saber o que fazer, fazia o que podia. Horas depois, a mulher calou-se e olhou a outra com a maior ternura. E nada disse. E nada disseram. E abraçaram-se, até hoje, ainda.
Um dia, um homem vem ver uma mulher. Falam e falam, e, no momento em que se abraçam, que se despedem e nada dizem, ficaram unidos para sempre, mesmo que longe, mesmo que perto.
Um dia, um animal olhou o seu dono, e tudo parou.
Tudo pára nesses momentos, entre os momentos. Tudo permanece por dizer, e tudo fica dito. Tudo, nesse silêncio, obriga a ter fé, obriga a acreditar, obriga a soltar o controlo e ouvir o silêncio das palavras não ditas.