por Ana Guilherme Martins
Quem é o tempo? Quem é este ser que não se padece das ansiedades alheias? Que consegue ser perseguido, ansiado e evitado no mesmo instante?
Indiferente às eras, ignora os caprichos de todos, quanto mais de cada um. O tempo passa ao seu ritmo. É dono do seu nariz.
Uns dizem que não passa. Outros, que voa. Outros, ainda, tomam-no por bálsamo, enquanto outros tantos, por vezes os mesmos, encaram-no como instrumento de dor. O tempo está-se nas tintas para a nossa opinião. Faz orelhas de mercador a todas essas músicas de longínquas vozes.
E mais! O tempo não se finge apenas surdo, como também persevera na sua mudez. Passa, simplesmente, sem se pronunciar em vocábulos. E continua a passar, fiel a si próprio, seja lá o que ele for.
Não obstante, é indubitavelmente expressivo. Não se enganem! As marcas que deixa, todas elas profundas, constituem provas indeléveis de que por aqui passou. As leves não subsistem. Essas são isso mesmo: leves. Desvanecem com um pouco dele.
Sem princípio, nem fim, ao tempo basta-lhe simplesmente passar. Veste-se de subtil e concreto, mas sempre de passagem. Manifesta-se em amarguras doces ou ácidas e, de quando em quando, insípido até!
Percebo claramente que já me iludi tanto ao querer abreviá-lo, odiá-lo, enganá-lo. Independente, o tempo passa.
Descobri que o tempo segue sempre em frente, mas não passa de um eterno teimoso. O ritmo é o seu ritmo, não o de outrem. E eu gosto que assim seja, pois resigno-me por nunca ter conseguido atribuir-lhe uma velocidade certa a não ser a dele próprio. Se o tempo estivesse à minha espera…
Realista, resiliente e risonha, resta-me continuar a aprender a vivê-lo assim, como é. De proveito consciente, por mim, o tempo pode passar, tal é o seu próprio ritmo.