por Sónia Brandão
Nós somos criados pelos segredos que nos agarram à vida desde sempre.
Desde o momento em que somos concebidos até à finitude da nossa existência.
Eles fazem parte da nossa realidade diária. Em alguns casos, de uma forma mais consciente, porque sabemos da sua existência. Noutros momentos, de uma maneira mais irreal.
Quando decidimos ter um filho, raramente o assumimos para o mundo. Fazemo-lo em segredo, a dois, ou numa decisão tomada sozinha, por vontade própria, pelo desejo de algo que ainda não temos, a ideia da imortalidade, que sempre é mais próxima da realidade, se pensarmos que, depois de partir, teremos sempre algo nosso aqui.
Mas essa decisão é secreta. O momento em que surge essa nova vida é totalmente secreto. Na maioria das vezes, nem nós, as mulheres que vamos nutrir essa nova vida por nove meses, sabemos que ela existe ainda. É o primeiro segredo do resto da sua vida.
O género da criança é um segredo ancestral que a atualidade permite ser revelado antes do nascimento, mas, mesmo assim, é segredo durante algum tempo, ou deveria ser.
Os primeiros passos, as primeiras palavras de uma criança são sempre momentos de alegria e felicidade, porque a vida está a acontecer perante os nossos olhos, mas raramente sabemos o momento em que vão acontecer. Nenhum pai ou mãe consegue afirmar que sabe quando vão chegar.
O futuro, esse mistério eterno que nos obriga a desvendar dia após dia, é secreto para nós até o vivermos.
As direções da vida, desde sempre, são secretas. Por mais que tenhamos a orientação de onde estamos e para onde queremos ir, as surpresas diárias, por vezes, transformam as nossas vontades em nada, porque o que hoje é certo amanhã desaparece no meio da realidade, que nos atropela a uma velocidade estonteante.
Com isso, aprendemos a viver. Com as surpresas dos dias que nos chegam. Com a realidade de onde, por vezes, queremos escapar.
Mas existem segredos que são só nossos.
Segredos de momentos, de vivências que são nossas, que raramente partilhamos ou sequer consideramos verbalizar.
Aqueles que, para alguns, são obscuros; para outros, são só desejos de uma realidade diferente, mas que são infinitamente secretos.
Esses que nos definem, porque poucos ou ninguém os conhece.
Porquê?
Porque temos tanta necessidade de esconder, de viver histórias e vidas escondidas, secretas para alguns?
Será somente uma forma de nos escondermos do nosso mundo?
Será somente a vontade de ser alguém diferente da pessoa que o mundo, o nosso mundo, conhece?
Ou será somente a vontade de saber que algo que é nosso, só nosso?
Os segredos podem ser a coisa mais íntima de um ser humano, mas existe sempre uma razão para existirem. Seja por medo da sociedade, da nossa sociedade mais próxima, do julgamento inevitável, porque ele existe sempre, ou seja por uma vontade expressa de privacidade, esses segredos existem.
São íntimos. São nossos, de cada um de nós, e ninguém tem o direito de os procurar, porque, em algum momento, mesmo não querendo, eles gritam que existem e a nós só nos resta aceitar e viver com eles.
Porque, em algum lado, existe outra pessoa que também perdeu o direito ao nosso segredo, agora é do mundo.
Os segredos sempre irão fazer parte de nós.
As nossas conquistas, por vezes, são proclamadas para o mundo, mas, na maioria das vezes, preferimos que as mesmas se mantenham para nós, por algum tempo, para as vivermos a sós, ou a dois.
Os maiores segredos são vividos a sós, porque são somente nossos. O reflexo da nossa vontade, de viver uma realidade que é só nossa, neste mundo pouco dado a segredos, onde a maioria deles já não permanece na nossa intimidade para lá de uns segundos.
Eu ainda mantenho os meus comigo. Alguns irão permanecer somente em mim, por toda a eternidade, porque tenho direito a mantê-los comigo, mesmo que, por diversos momentos, ache que eles deviam ser partilhados. Mas, na maioria das vezes, servem somente para fazer recordar outras realidades que já não me pertencem.
Os maiores segredos, por vezes, não são para ser desvendados. Servem só para nos fazer sorrir de saudade por algo que é nosso ou, algumas vezes, partilhado com o outro. Mas, no fim de contas, é nosso. Faz parte da nossa memória.
Os segredos não são maus. São somente memórias nossas.
Memórias que sussurram «ainda estou aqui».