Sónia Brandão

por Sónia Brandão

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Por mais que me custe fazer isto, preciso de escrever. Já não chega manter conversas repetitivas na minha cabeça. Preciso de escrever. Depois de o fazer, as coisas tendem a tornar-se menos presentes.

Aparentemente, na tua vida, tudo corre sobre rodas. Pelo que me dizem, estás igual ao que sempre foste. Aparentemente, a minha presença ou ausência é totalmente indiferente. Por mais que isso provoque um sentimento agridoce, dentro de mim, estou feliz por teres recuperado aquilo que julgavas ter perdido enquanto estiveste comigo.

É só mais uma certeza de que tomaste a decisão certa em relação a nós. Não era para ser, mas nós forçámos a situação e tentámos, mesmo nunca o tendo feito com vontade de que funcionasse.

Sempre esperei que tomasses as decisões que fossem melhores para ti. Nunca te poderei culpar por o teres feito, por mais que, para mim, isto seja ainda uma ferida à procura de cicatrizar.

Sempre achei que estávamos em momentos muito diferentes da nossa vida. Tu precisas de uma família, de mulher, filhos, de alguém que tome decisões por ti, que te impulsione a fazer as coisas, pois és demasiado comodista para alterar algumas áreas da tua vida.

Eu não.

Neste momento, quero muito viver. Talvez porque, para mim, as perdas sempre estão muito presentes, prefiro nunca me agarrar muito a alguém, para não continuar a sofrer mais perdas. Foi isso que fiz contigo. Sempre achei que estavas de passagem, que, em algum momento, ias seguir com a tua vida e deixar-me no sítio onde me encontraste. Não que torne a realidade mais fácil — só transforma as minhas dúvidas em certezas.

Tu és sombrio, és pessimista. Preferes ser desagradável, do que conquistar as pessoas. Gostas de provocar, de magoar — por vezes, deliberadamente —, o que sempre me incomodou.

Enquanto eu me preparo para o pior, caso ele venha, mas espero o melhor, tu acreditas sempre que o pior vai chegar.

Como alguém me disse, eu sou boa vibe, mesmo no pior dos momentos, e tive alguns. Procuro sempre o melhor da situação, encontrar algo a que me possa agarrar, porque assim posso seguir com a vida, mesmo com as minhas feridas abertas.

Acredito que, no início e antes de tudo desaparecer, consegui por algum tempo passar essa energia para ti, mas com o passar do tempo aconteceu exatamente o oposto. Tu levaste-me para a tua escuridão, levaste-me para um sítio onde eu não podia existir. Acabaste por matar uma parte de mim, a parte que me define.

Deixei de me sentir eu, na tua presença. Aquilo que eu dizia e fazia deixou de te fazer sorrir e tu transformaste-me, com as tuas atitudes, com a tua forma de falar, numa pessoa que não era eu.

Como me foi dito também, por pessoas que me conhecem desde sempre: “Onde é que tu estás? Esta não és tu. Parece ser tu, mas não é.” Aí, comecei a perceber que eu estava a desaparecer, estava a transformar-me numa sombra de mim. Longe de ti, conseguia ser eu. Quando tu estavas, eu desaparecia.

Algum tempo antes de terminarmos, comecei realmente a perceber que eu não existia — e, mais grave, tinha medo de existir perto de ti. Parecia que eu não era quem querias e eu apagava-me para não te incomodar.

Foi penoso. Tenho consciência disso. Talvez tu tenhas percebido isso antes de mim…

Sempre disse que, no fim, ia acabar por te agradecer.

Juntando isso ao facto de nenhum dos dois querer conversar sobre o futuro, sobre todas as coisas que definem uma relação, tornou tudo vazio. Estávamos juntos. Por vezes, passávamos bons momentos, mas começaram a tornar-se cada vez mais frequentes os maus momentos. Quando as coisas não são faladas, os fantasmas transformam-se em monstros, e foi isso que aconteceu.

Lamento pelos dois. Continuo a achar que podíamos ter funcionado, mas, para que tal tivesse acontecido, teríamos que falar e construir, de facto, uma relação — em vez de fingirmos que tudo ia bem, quando, na verdade, não era assim.

Gostava de te ter tirado dessa espécie de depressão em que vives. Adorava ter sido essa pessoa. Não fui, mas sei que, por muito que não o reconheças, existiram muitos momentos em que, através de mim e comigo, viveste muito no limite de ser feliz e de encarar a vida com optimismo e com um sorriso de verdadeira felicidade no rosto.

Desejo que encontres a pessoa certa para ti, a pessoa que te proporciona esses momentos com uma frequência diária para esqueceres a parte sombria, mais vezes e por muito mais tempo.

Não posso e não te quero odiar. Não faz parte de quem sou. Respeito demasiado as pessoas que fizeram parte da minha vida para ter esse tipo de sentimento. Nunca o fiz e também não o vou fazer contigo. Não faz sentido.

Quero muito que sejas feliz, mas não pode ser alguém a criar essa felicidade por ti. Tens que ser tu. Caso contrário, nunca o vais conseguir ser.

Não anules a próxima pessoa que entrar na tua vida. Apenas sê feliz.

Apesar de todas as paranoias que existem na tua vida, mesmo que não as reconheças, és boa pessoa. Só tenho pena que poucos, muito poucos te conheçam e muitos te achem descartável.

Eu sei que não és. Sei que és um amigo de verdade, leal, muito pouco presente, porque esperas sempre que os outros te procurem se sentirem a tua falta. As amizades não são assim. Tem que existir procura de ambas as partes, como em todas as relações.

Não te isoles. Procura pessoas antigas, de sempre. Abre-te. Apresenta-te a novas pessoas, e deixa de viver no podia ter sido. Vive o que está à tua frente, seja bom ou mau. O podia ter sido não existe. Ou é ou não é. O resto são estórias da tua cabeça.

O que mais quero, para ti, é que sejas feliz. Sem mim, porque comigo não o conseguiste ser.

Eu estou à procura de mim, em múltiplos sítios. À procura da minha paz, depois do turbilhão que despertaste dentro de mim. Não só com o que aconteceu, entre nós, mas com tudo o que se passou, no passado, e que eu ainda preciso de reviver, revisitar — e melhorar a forma como lidei com ele. Mas este momento — de olhar para mim e ver onde posso melhorar — aconteceu por tua causa, daí o meu obrigado.

Precisava deste “acorda para a vida” para resolver muitas coisas na minha mente e no meu coração. Espero que também o estejas a fazer para melhorares, enquanto homem e ser humano.

Lamento reviver todos estes momentos. Mas, por vezes, é preciso voltar para dizer tudo e, assim, levantar a cabeça e seguir em frente, com um sorriso no rosto e com a certeza de que fizemos e dissemos tudo o que queríamos e precisávamos.

Fica bem!

 

About the Author: Sónia Brandão
Sónia Brandão
Apaixonada por palavras, aprendeu, desde nova, a criar realidades paralelas na sua mente — onde tudo era possível. "Amor de Perdição" foi o primeiro livro que leu. Tinha 13 anos e foi a mãe que lho sugeriu para se ocupar. Desde então, nunca mais parou de ler. Durante alguns anos, no entanto, parou de escrever: sentiu que tinha deixado de fazer sentido. Mas o confinamento fê-la regressar à escrita com mais força e determinação. Este ano, surgiu a vontade de partilhar com os outros o que coloca no papel.

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