Maria Meireles Ramos

por Maria Meireles Ramos

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Lá vão eles: recolhidos em si, escondendo-se dentro do capuz dos casacos, de mãos nos bolsos e rostos apagados, de pescoço encolhido como que a esconder qualquer coisa… talvez palavras na garganta; palavras presas. Palavras caladas, sem vida… inexistentes. Perdidas de uso, despidas de alma, de propósito. Abrindo-se, assim, espaço para uma coisa qualquer…

Quando não comunicamos, é fácil que o que nos acontece seja uma coisa qualquer, pensei. E depois? O que acontece se esta for a rotina? Andar por aí, parecendo indiferentes a tudo… sem reação… como se não fossemos nada…?

Olhei em volta. Aquelas pessoas pareciam querer ser invisíveis e, ao mesmo tempo, talvez fossem também das que mais sobressaíssem do todo.

Se ficar calado, quieto, passar pela vida sem a dizer sua, não é o maior grito de sofrimento, de vontades e sonhos contidos, enterrados, afogados… Se render-se ao silêncio não é pôr a nu um pedido de ajuda, a comunicação derradeira de que uma palavra emprestada, uma palavra amiga, poderia fazer toda a diferença… Então, não sei o que andamos aqui a fazer: a reparar nisto tudo, a apercebermo-nos disto tudo… e também deixando-nos estar.

Eles não estão a dizer nada. E eu? Estarei?

Quando não comunicamos, ficamos ali: sem agência, sem quem somos ou poderíamos ser… Sem liberdade. Deixando a vida acontecer como bem lhe apetece, quer gostemos, quer não. Desistindo de qualquer papel que pudéssemos assumir. Deixando, literalmente, os papéis em branco.

Não comunicar é consentir numa morte silenciosa. Falha a respiração: não se inspira (nada, nem ninguém) e também não se expira (o que nos vai dentro). Não comunicar quebra-nos, afasta-nos — dos outros e de nós…

E se eu me aproximar? Se começar por dizer olá e oferecer a minha companhia? Será suficiente?

Para muitos, será tudo. Para outros, pelo menos, será alguma coisa.

– Olá! Que contam?

Entre olhos esbugalhados e sobrancelhas levantadas de espanto e curiosidade, do outro lado acontece qualquer coisa. Não se percebe bem o quê — mas acontece. E, ali, juntos, passa-se a existir.

Com um pequeno, simples gesto, algumas das pedras presas nas cordas vocais parecem, então, ceder; outras, caem mesmo ao chão. E, com todas elas, cria-se, de repente, uma ponte… Uma ligação.

About the Author: Maria Meireles Ramos
Maria Meireles Ramos
As letras sempre lhe foram refúgio e ponte, do mundo e para o mundo. Assim, desde os primórdios da adolescência (até hoje) que os cadernos e blogs lhe são companhia e alimento para a alma. Fascinada por histórias e crente (até ao tutano) no poder das palavras, formou-se em psicologia e fez de psicóloga a sua profissão. Sonhadora incurável, no frenesim da rotina e da vida, ainda rabisca uma carreira e calmaria paralela no universo da escrita.

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