Nina da Silva

por Nina da Silva

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Falar sempre foi difícil para uma introvertida como eu, independentemente de qual fosse o contexto ou de quais fossem as circunstâncias. Em público ou em privado, verbalizar o que quer que fosse era um desafio. Dar apenas uma sugestão ou demonstrar preocupação já era um problema. Os nervos embargam-me a voz, engolem-me as palavras, ficando estas a meio caminho, muitas vezes começando e muito poucas vezes acabando. Quanto mais importante é o que tenho a dizer, mais me atrapalho e maior a probabilidade de falhar o objetivo. Não é, por isso, de estranhar que, ao longo dos anos, tenha arranjado várias formas de me expressar e de me comunicar, que não a fala.

Eu era aquela que poucas vezes levantava a mão nas aulas porque não queria ser o centro das atenções, mesmo que soubesse a resposta. Pelo sim, pelo não, preferia evitar o risco de expor-me ao ridículo. A verdade é que, desde então, o não ser capaz de levantar a mão, o não conseguir impor a minha voz, tem trazido alguns dissabores à minha vida, quer pessoal, quer profissional.

Nunca percebi bem a causa deste silêncio autoimposto. Se é genético ou se é uma espécie de trauma, resultado de tanto ouvir e calar ao longo dos anos ou, se calhar, de ter passado por tanto sozinha e de não ter tido em quem confiar e com quem partilhar. Se é o medo de ser julgada ou de ser gozada, de me expor ou de passar vergonha. Se é o medo de provocar o outro e ouvir o que não quero em resposta. Não sei. Se calhar, é tudo isto.

E, se hoje já vou abrindo a boca para resmungar, reclamar, reivindicar, continua a ser difícil falar quando se trata de assuntos mais pessoais, sentimentos ou apoquentações, principalmente com quem mais importa para mim, quando sei que pode cair mal, que posso melindrar. Sempre foi mais fácil falar de sentimentos através da escrita, porque aí consigo assegurar-me de que digo o que tenho a dizer, sem que a emoção me corte a voz e entorpeça a língua. Porque me permite rever vezes sem conta o que vou dizer e ponderar os vários cenários. Porque posso entregar a mensagem sem ver a reação. Porque possibilita dar tempo para que assente e seja assimilado pela outra parte. Mas nem mesmo com esse recurso há coisas que me atrevo a abordar verbalmente.

Para meu azar, quis a vida que me calhasse, na roleta, alguém que padecesse do mesmo mal do que eu.  Não exatamente pelas mesmas razões, mas a realidade é que a comunicação também não é o seu forte. O problema é que sinto que a situação tem piorado. Não sei se por eu guardar tanto para mim, de não falar tantas vezes, acabou por se fechar ainda mais em jeito de retaliação – se tu não falas, também não sou eu que vou falar.

Acho que a vida me quis por à prova. Em vez de arranjar alguém que me apoiasse, que me desse força para encarar o que me impede de comunicar mais, arranjou-me o oposto. Em vez de incentivar a que mude aquilo que gostaria que mudasse, está a por a responsabilidade toda do meu lado, como forma de me obrigar a abrir a boca – se precisas, falas ou aguentas as consequências. Também sei que não posso esperar que ele tente adivinhar o que me vai na alma, porque, mesmo que o consiga, não vai dar o braço a torcer. Reconheço que este silêncio, entre nós, é um “jogo” perigoso, o jogo de esticar a corda a ver quem cai primeiro.

É que o meu silêncio não tem que ver com o facto de não o amar ou de não querer continuar ao seu lado. Muito menos se deve ao facto de ter algo a esconder ou de não querer partilhar, mas, infelizmente, tem sido encarado dessa forma. Ao fim destes anos, ainda não entendeu (e isto, sim, já lhe disse diversas vezes) que não é pessoal. Simplesmente, sempre fui assim. Com ele e com todas as outras pessoas, mesmo as que me são mais próximas.

A verdade é que o tempo vai passando e o elefante na sala vai ficando maior. As situações que temos acumuladas e que não foram conversadas são cada vez mais, e receio que aquilo que não falamos esteja a consumir-nos, por dentro, e a corroer a nossa relação. O mais irónico nisto tudo é que temos tanto potencial, enquanto casal, e, mesmo assim, estamos presos neste processo de autossabotagem, um por orgulho e outro por medo.

O medo da desilusão, o medo de perder, está a travar as minhas palavras e, acima de tudo, o medo de provocar o fim. No entanto, falar ou calar pode dar no mesmo: no fim.

 

About the Author: Nina da Silva
Nina da Silva
Por pragmatismo, seguiu os números. Por paixão, teria seguido as palavras. Nascida nos primeiros anos da década de 80, traz consigo as dúvidas e os dilemas de quem se encontra a meio caminho. De onde? É o que ainda está por descobrir.

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  1. Maria Reis 16 Dezembro 2023 at 15:00

    Um texto excelente no qual me identifico bastante.
    Felizmente essa minha dificuldade não afetou a minha vida de casamento.
    Parabéns por ter exposto tão bem essa situação que, penso, pode afetar tantos de nós.

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