Sónia Brandão

por Sónia Brandão

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Eu sentia a tempestade que se aproximava.

O distanciamento estava maior, talvez porque eu me estava a tentar proteger das palavras que me seriam atiradas, como flechas envenenadas.

Eu sabia.

Estava na defensiva. Toda a minha linguagem corporal assim o dizia. Estava à espera do ataque.

Segundo ele afirmou depois, fui eu que o procurei, fui eu que quis abordar o assunto.

Mas eu sabia que, mesmo aquilo que não era conversado, não desaparecia: era somente atirado para o futuro, onde aguardava pelo melhor momento para voltar a ressurgir.

Não importa o que despoletou o início, mas a frase decisiva:

— Tu precisas de ensaiar, de ensaiar o que dizes, o que fazes, o que sentes…

Demorei um minuto a questionar impulsivamente:

— Achas que estou a encenar o que digo, a preparar reações ao que dizes, ao que se passa connosco? — questionei de supetão, por ser tão pouco real esta afirmação.

— Não é isso que estou a dizer.

Aqui, neste momento, deveria ter falado, deveria ter dito aquilo que pensava, aquilo que ele me fazia sentir, mas não o fiz.

Optei por me calar.

Optei pelo silêncio.

O silêncio das palavras, mas não o silêncio da minha mente.

Nela disse tudo.

Disse que ele me pressionava, desde o primeiro dia. Disse que nunca respeitou o que eu queria, o meu tempo, o que sentia. Disse o quanto ele me fazia querer chorar, por estar a sentir que estava a ser avaliada, dia após dia, sem nunca tirar boa nota.

Disse que me sentia presa pelas palavras dele, pelas palavras nunca me dirigidas, mas que serviam de censura mesmo quando eu não as entendia na sua totalidade.

Gritei para ele sair da minha vida e procurar outra que não «encenasse» as suas emoções.

Acabei com o sofrimento autoimposto. Desapareci na neblina que o mar trazia.

Mas, na vida real, o que saiu da minha boca foi o silêncio.

Nada disse. Deixei-o perder-se em desabafos vãos que serviram para minar ainda mais a minha confiança, em palavras ocas cheias de censura que me empurraram para as dores da mente.

Naquele dia, assumi a culpa do nada.

Assumi os meus defeitos, mesmo sem os ter.

Assumi tudo por medo do nada.

Se tivesse falado, teria aproveitado um longo tempo da minha vida de forma mais feliz.

Teria seguido a minha vida mais cedo.

Mas não foi isso que aconteceu.

Foram necessários muitos silêncios, antes de recuperar a minha voz, antes de falar, de gritar em voz baixa: «não!». Primeiro, para mim. Depois, para ele.

Por vezes, o silêncio não muda a realidade, mas dá-nos tempo para saber o que dizer sem nos destruirmos no processo.

Continuo em silêncio muitas vezes, porque ele continua a ser uma arma de defesa, contra o indefensável.

About the Author: Sónia Brandão
Sónia Brandão
Apaixonada por palavras, aprendeu, desde nova, a criar realidades paralelas na sua mente — onde tudo era possível. "Amor de Perdição" foi o primeiro livro que leu. Tinha 13 anos e foi a mãe que lho sugeriu para se ocupar. Desde então, nunca mais parou de ler. Durante alguns anos, no entanto, parou de escrever: sentiu que tinha deixado de fazer sentido. Mas o confinamento fê-la regressar à escrita com mais força e determinação. Este ano, surgiu a vontade de partilhar com os outros o que coloca no papel.

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