por Sónia Brandão
Olho-te.
Olho-te e, pela primeira vez, vejo-te despido da capa que usas para o mundo.
Mais do que olhar-te, observo-te.
Observo tudo aquilo que ainda não me tinhas permitido conhecer.
A vulnerabilidade no olhar. A insegurança nunca usual em ti. A tua expressão nova para mim.
Por mais que me sinta privilegiada por me mostrares quem és para lá das máscaras, não sei se este é o momento.
Tantas vezes te pedi para o fazeres no passado.
Tantas vezes implorei para seres tu, de verdade, comigo…
Só queria poder saber quem és.
Mas tantas vezes me negaste isso.
Tantas vezes, usaste esse meu pedido contra mim.
Tantas vezes, me acusaste de não me mostrar e de não te deixar conhecer-me.
Sempre te escondeste dentro de ti, mas, no fim, eu é que não era de verdade — palavras tuas.
Agora, não sei…
Não sei se ainda te quero conhecer de verdade — ao teu verdadeiro eu, aquele que só mostras a quem amas, aquele que até hoje nunca consegui conhecer, porque nunca me deixaste fazer parte desse grupo restrito.
Tenho pena.
Pena de nós.
Pena por este momento ter sido necessário.
Pena por te ter perdido. Perdido sem nunca te ter tido, de facto.
Porque nunca foste meu.
Foste somente uma sombra do que queria que fosses.
Circulaste entre o que eu queria que fosses e o que tu te permitias ser, mas, na verdade, nunca foste tu.
E como podemos sobreviver a algo assim?
Como podemos continuar, se tudo o que vivemos foi somente uma luta entre desejos e agrados que nunca foram reais?
Porque demoraste tanto tempo?
Porque esperaste pelo fim, para te apresentares?
Peço-te desculpa.
Mas…
Por mais que eu queira conhecer quem és hoje, este que escolheste trazer até mim agora, já não tenho forças para voltar.
Preciso de me reencontrar.
Porque, no processo de te tentar conhecer, fui-me perdendo.
Foi deixando de me reconhecer, porque embarquei contigo nos desejos e agrados ao outro.
Cedi até hoje.
Hoje, vou sair no momento em que tu decides chegar.
Desencontros.
Preciosos desencontros…