Maria Reis

por Maria Reis

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Era este o lema da tropa de Comandos, especialidade na qual o meu «soldado» fora instruído para combater na guerra do Ultramar Português.

Embora este fosse um lema militar, também eu o adoptei, também deixei que fosse uma grande inspiração para mim.

A situação vivida nesse tempo tão conturbado obrigou-me a dar passos decisivos e de grande responsabilidade e, quantas vezes, surgia a necessidade de ser audaz. Foi também ao dar esses passos que, com alguma frequência, me vi protegida pela sorte. Assim aconteceu aquando do nascimento do meu primeiro filho…

Estávamos em Luanda. Enfrentávamos circunstâncias assaz adversas. Não deixávamos que isso fosse impeditivo de vivermos intensamente. Contornávamos essa adversidade sorrindo para a vida, vivíamos o nosso amor e, talvez com alguma loucura à mistura, éramos felizes! No nosso amor encontrávamos a força que, sim, nos tornava audazes.

É possível que possa ser considerado leviano, mas, na verdade, nunca foi nossa preocupação programar o nascimento dos nossos filhos. Tudo ia acontecendo naturalmente…

Fui mãe, pela primeira vez, em fevereiro de 1973 e, sim, a sorte protegeu-me!

Após o tempo necessário no hospital, regressei a casa trazendo comigo o meu pequenino, mas valiosíssimo tesouro — mas também o enorme peso de uma tremenda responsabilidade… Afinal, que sabia eu? Era uma mãe inexperiente!

Ao mesmo tempo, receava também aqueles momentos em que não teria com quem partilhar os meus anseios. Eu sabia que nem sempre iria ter junto de mim aquele meu porto de abrigo seguro, tão dedicado e carinhoso. O meu amado prisioneiro continuava refém naquela casa de reclusão, vítima de cruel injustiça da cega disciplina militar. E como eu sentia essa falta!

Hoje, ao transportar-me a esse período da minha vida, sinto-o como se nessa altura todos os astros se tivessem alinhado, conjugando-se no sentido de me trazerem a sorte de eu poder sentir a tranquilidade e o bem-estar de que tanto necessitava.

Os meus receios de mãe inexperiente foram-se desvanecendo: segui o meu instinto maternal, senti-me apoiada e orientada com os melhores conselhos de excelente pediatra. Assim, amei e cuidei do meu menino com sucesso, dedicando-lhe todo o meu tempo.

Parecia crescer entre nós uma bela cumplicidade, estabelecia-se uma rotina repleta de momentos gratificantes… Se eu cuidava dele com toda a minha dedicação de amor, ele era tão dócil e tranquilo que não perturbava o meu descanso! Maravilhada, contemplava-o por longos períodos, gravando todos os seus gestos e, sempre que era surpreendida pelos primeiros sorrisos, pelo balbuciar dos primeiros sons, a minha emoção subia ao rubro… Afinal, eu era uma mãe privilegiada! Assim, dia a dia, crescia a minha autoconfiança.

Então, vivíamos um tempo em que a lei apenas concedia às mães um mês de licença de maternidade. Eu fui presenteada com dois meses: fevereiro foi concedido por lei, março foi concedido pela interrupção habitual de atividades escolares — era mês de férias por ser o mais quente do ano.

E… cereja no topo do bolo: passei a ter a presença do meu amor com mais assiduidade. Pude contar com essa preciosa companhia e ajuda com muita frequência. Afinal, eu estava a ser abençoada com momentos de pura felicidade!

Contudo, há sempre um mas…

Dois meses passaram a correr! Eu não estava preparada para regressar ao trabalho!

Bem perto de minha casa havia um «berçário» que oferecia ótimas condições. Aí poderia deixar o meu menino. Esta separação provocava-me enorme angústia!

Eu tentava adaptar-me quando algo inesperado aconteceu, obrigando a que a escola fosse encerrada por tempo indeterminado.

Tudo se iniciou numa manhã em que a escola foi o alvo escolhido para trazer à luz a revolta crescente dos que lutavam pela libertação de Angola. Naquelas paredes brancas apareceram, em letras garrafais, várias inscrições contra o governo português e a sua opressão relativamente ao povo angolano. Já não recordo exatamente todas as palavras, apenas uma dessas inscrições nunca esqueci. Ela dizia exatamente: «Viva o MPLA e a c**a da professora!»

Também não foi possível abrir as portas das salas de aula. Todas as fechaduras tinham sido boicotadas. Estavam obstruídas de tal forma que se tornava impossível utilizá-las.

Foi chamada a PIDE.

Nesse dia, tudo ficou resolvido. As paredes foram limpas, as fechaduras arranjadas. Trabalho inglório! Na manhã seguinte, tudo reapareceu… e reaparecia todos os dias!

Sentíamos, agora, uma maior preocupação: a segurança e o bem-estar do nosso filho!

Não estava fácil para nós gerir esta situação, e receávamos pela estabilidade necessária que garantisse a desejada tranquilidade.

Sentimos que chegara a hora de uma decisão que nos permitisse evitar correr riscos ou sobressaltos. Foi difícil, mas veio a decisão: eu regressaria à Metrópole!

Estávamos quase a terminar um ciclo…

No dia cinco de março de 72, eu aterrara em Luanda.

No dia cinco de julho de 73, aterrei em Lisboa e o meu filho completava cinco meses de vida.

Trazia no coração a saudade do meu amor que não pudera acompanhar-me.

Trazia no coração a certeza de que, em breve, não haveria mais saudades; que, em breve, estaríamos juntos e nada mais conseguiria voltar a separar-nos.

O meu coração não se enganou…

About the Author: Maria Reis
Maria Reis
Nasceu em 1947. É transmontana, sonhadora. Está aposentada da profissão de professora, tendo exercido docência nos 1º e 2º ciclo de Ensino Básico. O seu percurso de vida foi seriamente afetado pela Guerra Colonial Portuguesa, travada entre 1961 a 1974, período que viveu intensamente com o sofrimento de dolorosas perdas, saudades e muita instabilidade emocional. Acredita que a vida só faz sentido quando vivida com amor.

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