por Estefânia Barroso

Maio é o mês de Maria e, por isso (digo eu), terá sido escolhido como o mês do Dia da Mãe, um dia celebrado por imensa gente (Portugal inteiro, atrever-me-ia a dizer).
Para mim, é um dia que continua com um gosto meio amargo. Há muito, muito tempo que não celebro o Dia da Mãe. Conheço muitas pessoas que continuam a comemorá-lo, ainda que tenham perdido as suas mães. Contudo, para mim, tal celebração não faz sentido. Ainda que a lembre todos os dias, não sinto vontade de celebrar a sua ausência num dia que se quereria de presença.
Conheço pessoas que, ainda que tenham já perdido as suas mães, celebram à mesma o dia, porque elas próprias já se tornaram mães e adquiriram, por isso, uma nova razão para ver encanto no Dia da Mãe e, por isso, celebrá-lo.
Ora, nada disso aconteceu comigo. Não sou mãe de nenhuma adorável criança ou jovem (o que, pela idade que carrego aos ombros, seria mais verosímil). Não fiquem já os caros leitores sensibilizados ou entristecidos com esta mulher que, do alto dos seus 40 e muitos anos, não foi mãe. É um facto que a vida não me proporcionou a estabilidade – económica e profissional – para ser mãe. Também não me proporcionou uma relação estável o tempo suficiente para que esse pensamento aflorasse à minha mente – outro facto. Mas, ainda assim, penso que, se a vontade de ser mãe fosse muito grande, não teriam sido essas condicionantes que me teriam impedido de o ser. A verdade, nua e crua, é que nunca senti essa vontade. Neste momento quase consigo ouvir os “ohhh” de horror de uns quantos leitores que aqui chegaram. Mas essa é a grande verdade que, hoje, assumo sem qualquer rasto de vergonha. E posso garantir-vos que chegar a este ponto não foi nada fácil. Ainda que algumas mudanças se venham sentindo, a verdade é que ainda temos demasiado presente na sociedade que o papel da mulher é o de ser mãe. Mais do que isto! Ainda está demasiado presente nas mentes que habitam este país que uma mulher só se sente efetivamente realizada se for mãe. Não conto pelo dedos das mãos as vezes que ouvi as perguntas: «Não tens filhos? Não tens pena?»
Durante muitos anos, escondi-me num silêncio quase envergonhado. Não, não era mãe. E, não, essa ideia não vivia em mim de forma obsessiva. Mas assumo que tinha algum pejo em dizer isso em voz alta. Por isso, remetia-me ao silêncio, não respondendo a nenhuma dessas perguntas.
Mas o espanto de eu não ser mãe não se ficava apenas por essas questões. Não raras vezes ouvi também «Não és mãe? Mas és professora! E pareces gostar dos miúdos!!» (Aviso à navegação: gosto mesmo dos “meus miúdos”.) Nunca entendi muito bem essa pergunta. Parece que, para muita gente, o não querer ser mãe é equivalente a não suportar miudagem. É o equivalente a ser uma pessoa sem qualquer sensibilidade para os outros. É o equivalente a não gostar de crianças. Ora, isso nada mais é do que um preconceito absurdo. Não sou mãe, mas gosto de crianças. Não sou mãe, mas sou tia! Tenho duas sobrinhas de sangue e tenho vários sobrinhos de coração. Gosto imenso deles. Sou a “Tia Fanny”, a “Tia Estefânia”, a tia! Acompanho o seu crescimento, os momentos especiais das suas vidas, e gosto verdadeiramente deles. Não sou mãe. Não quero sê-lo, nem invejo esse papel. Só quero ser a tia, com todos os direitos e deveres inerentes a esse papel.
Não querer ser mãe – e, hoje, afirmo-o sem medos e sem vergonhas – não demonstra uma incapacidade de amar. Não demonstra uma inaptidão para lidar com crianças. Não ser mãe não traz a todas as mulheres uma sensação de falta ou de ausência (quantas vezes não ouvi que, se tivesse filhos, não teria tanta vontade de ter animais?). Não ser mãe é apenas não ter um papel que grande parte das mulheres ainda tem.
É por tudo o que acima foi dito que, para mim, o Dia da Mãe continua a ser um espaço de silêncio e memória, mas não de celebração. Não me falta amor, nem me sobra amargura. Apenas escolhi (ou fui levada até ele) um caminho diferente daqueles que tantas tomam como inevitável. Ser mulher, para mim, não passa por ser mãe. Passa por ser inteira naquilo que sou: professora, filha, irmã, amiga, tia, humana. E isso, por si, faz-me sentido e torna-me completa.