por Sofia Reis Cardoso

«Sororidade» é uma palavra que considero muito bonita e que vejo ser usada muitas vezes, exatamente por isso — por ser bonita, porque, na prática, é tão triste observar que cada vez mais se usa, mas cada vez menos se vê a sua aplicação.
É uma palavra com um som muito caraterístico que significa «a união e a aliança entre mulheres, baseadas na empatia e no companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum!»
Um objetivo comum a muitas mulheres é a maternidade. Devido a diversos fatores, muitas são as mulheres que têm dificuldades em engravidar; muitas até chegam a gerar uma gravidez, mas, infelizmente, por algum motivo, sofrem um ou mais abortos. Esta semelhança, entre as mulheres, acaba por as aproximar muitas vezes no seio familiar, no meio escolar onde já têm outros filhos, em contexto de trabalho, ou de amizade, ou, mais recentemente, através das redes sociais.
Quando uma dessas mesmas mulheres que, durante muito tempo, partilharam as mesmas dores, sofrimentos, angústias e ansiedades, dúvidas e medos, consegue levar uma gravidez até ao final e ser mãe, onde ficam aquelas mesmas mulheres que, durante meses, até mesmo anos, foram a primeira chamada que realizavam ou a primeira pessoa que abraçavam quando algo não corria bem?
Aflige-me muito a falta de empatia a que assisto muitas vezes entre mulheres e casais. Aqueles que conseguiram vingar têm o direito de viver a plenitude da gravidez e do nascimento do seu filho, mas, ao mesmo tempo, não deveriam ser os primeiros a fazer com que aqueles que são seus companheiros se sintam acompanhados? Nunca passei por uma situação semelhante, mas já assisti a algumas e confesso que vejo muita desumanidade. Mais, ainda, quando são essas mesmas pessoas que pretendem ser mães e pais.
Talvez por isso considere que ainda hoje, mais do que nunca, vejo a minha geração e gerações anteriores a ver a maternidade e a paternidade como algo que «tem de acontecer», como se fosse obrigatório. É algo muito desejado, mas pouco ponderado nas verdadeiras consequências e alterações que esse acontecimento irá trazer.
Vejo muitos jovens a terem os filhos e a não conseguirem lidar com as limitações que implica ter um recém-nascido ou mesmo uma criança 100 % da sua responsabilidade. Assisto, muitas vezes, à necessidade desesperada de deixarem os filhos com os avós, tios ou até amigos, de forma recorrente, para poderem manter rotinas que tinham anteriormente, das quais não querem abdicar, mas nas quais também não querem incluir a criança — porque chora, porque dá trabalho, porque é agitada. Observo muitos pais a quererem que os filhos se portem bem, quando o «portar mal» é serem agitados, quererem brincar com tudo, não estarem sossegados num restaurante, etc.
Falo sem experiência na pele, mas lembro-me de dizer muitas vezes em criança «eu não pedi para nascer». E a verdade é que muitas destas crianças, que têm nascido, nascem para tirarem as fotografias das famílias felizes para as redes sociais para, depois, serem entregues aos familiares durante horas ou dias. Nascem por capricho de outras crianças que não têm noção da verdadeira responsabilidade que dali advém e o que é certo é que essas duas pessoas, com mais ou menos consciência, geraram uma vida, colocaram mais um ser humano no mundo — tal qual ele se encontra hoje em dia. Será que o estado do país e do mundo também é equacionado por todos os que desejam ser pais?
Visualizo outros tantos a fazê-lo na tentativa de salvarem casamentos, considerando que, dessa forma, a união se vai manter. Para quem acredita, desde a conceção que toda a energia da mãe e as suas vivências estão a passar para o bebé e terão impacto em toda a sua vida. Crenças e traumas não resolvidos através de terapia — ou, pelo menos, não trabalhados — a serem projetados naquelas crianças que, posteriormente, vão fazer com que elas mesmas desencadeiem os seus traumas, porque os seus pais descarregaram neles o que não conseguiram resolver e a maternidade/paternidade serviu para ser um colo para elas mesmas, ao invés de ter como prioridade a saúde e o crescimento saudável daquela criança.
Será que não enumerei já dezenas de situações em que a posição de mãe e pai deveria ter sido bem refletida antes de tudo mais? Não deveria ser a criança — e a felicidade da mesma — a principal prioridade? Não sou apologista de ir «atrás do rebanho» e não posso deixar de fazer esta crítica. Sim, porque assumo que é uma grande crítica à sociedade onde vivo, mas, ainda que um dia possa ser eu a cometer todos estes erros, vejo-me no direito de o comentar e alertar, apesar de saber que será um tema muito controverso.
Já tive momentos na vida em que senti o desejo de ser mãe muito ativo, mas hoje tenho a certeza absoluta que, naquelas circunstâncias, não estava de todo preparada para este papel tão importante. Não há pais perfeitos, nem o momento perfeito, é verdade, mas é uma decisão que implica o gerar de uma nova vida, colocar um ser humano no mundo — e essa, sem dúvida, deverá ser a decisão mais bem ponderada das nossas vidas, porque está a impactar verdadeiramente a vida de outra pessoa que, durante vários anos, vai depender muito de nós e à qual estaremos sempre ligados.
Pelos mais variados motivos, nunca se colocou a hipótese de avançar efetivamente com uma tentativa de ser mãe até ao diagnóstico da minha doença. Após o mesmo, tomei conhecimento de que uma gravidez, ainda que devidamente acompanhada, poderá ser um dos principais fatores para gerar um novo episódio da minha doença, que se encontra em remissão. Não é garantido, mas a probabilidade é grande — e isso é algo que hoje me deixa com muitas reservas.
No entanto, depois de aprender tanto sobre mim com todo o trabalho interno que tenho feito, a determinada altura essa vontade de ser mãe surgiu como nunca tinha surgido, e o desejo de cuidar de alguém com todo o meu amor é algo que não sai do meu pensamento. Não sei se esse desejo algum dia se irá realizar e, se realizando, o será de uma forma natural, mas sei que é uma vontade muito presente.
Ainda assim, o que menos gosto é exatamente de ter de responder ou comentar as abordagens que, muitas vezes, familiares ou pessoas que nem têm grande proximidade comigo insistem em fazer quanto ao tema. É algo tão pessoal que nem sei como, hoje em dia, depois de tantas chamadas de atenção, a situação se continua a repetir.
A par desta vontade, tenho a sorte de ser tia desde 2016 — algo que sempre desejei muito — e lembro-me de dizer à minha irmã que queria muito ser tia «nova» para poder ser uma «tia fixe». Penso muitas vezes sobre isso e sinto que não sou aquela tia que faz todas as vontades, ainda para mais quando estou distante e deveria querer sempre que as minhas sobrinhas não tivessem motivos para se zangarem comigo.
Mas é aí que sinto o meu sentido de maternidade mais apurado: quando não lhes consigo dizer que «sim» a tudo, quando as chamo à atenção sobre algum comportamento, quando digo que não deveriam fazer daquela maneira, mas de outra. É nessas alturas que, mais do que as mimar — que é o que mais adoro fazer —, procuro que elas sejam «as melhores» pessoas e, por isso, procuro passar os melhores exemplos. Apesar de querer ser adorada por elas, como é óbvio, quero que também se lembrem sempre de mim como alguém que, querendo o melhor para elas, não poderia apenas fazer-lhes todas as vontades.
Não me tornarei numa pessoa «azeda», se não for mãe. Vou ter sempre muito amor dentro de mim para dar às minhas sobrinhas e aos meus sobrinhos do coração — filhos das minhas amigas. Se houver a possibilidade de ser mãe, em toda a conceção da palavra, de um filho meu, tudo farei para que seja o meu melhor papel.