por Sónia Santos
Sou apaixonada pelas letras, desde tenra idade, e assumi a minha paixão pela escrita recentemente. Não tem sido um percurso fácil, porque habituei-me a guardar tudo para mim. Felizmente, comecei a quebrar o padrão aos 27 anos.
Após terminar uma licenciatura de que nunca gostei, desde as primeiras duas semanas de aulas — mas tive medo de enfrentar a desilusão familiar —, decidi assumir a minha homossexualidade perante a família e a sociedade. Estava farta de viver uma vida que não era a minha e, portanto, aos 27 assumo a minha verdadeira identidade e começo a viver a minha verdade.
Para chegar ao ponto de assumir a minha identidade, enfrentei a morte de um primo que era como um irmão para mim. Este momento mostrou-me que a vida é demasiado breve para vivermos uma vida que não é a nossa. O luto foi virado para a autodestruição e o cigarro era o meu escape.
Aos 30 anos, decidi fazer mudanças.
Comecei a correr, a ler, a comer melhor, a respeitar o descanso e deixei de fumar. Mais uma vez, não foi um processo nada fácil. Foquei-me na pessoa que queria ser e trabalhei arduamente para me libertar da autodestruição. Durante dois anos, mantive a leitura, a corrida, a nutrição alimentar e o descanso. Depois, voltei a cair na autodestruição. A infelicidade profissional era uma constante, e a comida era o meu escape e a minha fuga. Era mais fácil dar uma trinca do que aceitar e libertar as minhas emoções.
Em janeiro de 2024, decidi mudar de trabalho e explorar a assistência virtual. Os primeiros trabalhos foram feitos para outros empreendedores e o entusiasmo e o prazer profissional apareceram. Apaixonei-me pela profissão! A minha vida, pessoal e profissional, começou a fluir até que a minha avó materna teve que ser operada ao coração. A operação correu bem e eu fui passar uns dias com ela, para ajudar a minha avó e os meus tios.
Ao longo dos dias que passei com ela, percebi que ela não me reconhecia. Na altura, foi um choque perceber que a minha avó, a pessoa que partilhava histórias da sua vida, já não se lembrava da sua infância e que não sabia quem era. Aprendi a viver com a nova realidade e a aceitar que a minha avó não faz ideia de que é minha avó. O tempo foi passando e a minha avó recuperou totalmente e eu voltei à minha casa.
No dia 2 de março, recebi a notícia que nunca esperei receber: a morte do meu irmão mais velho. O meu mundo desabou, quando a polícia me informou que o meu irmão tinha morrido, num acidente de trator, enquanto trabalhava nas suas terras.
Recordo-me, perfeitamente, do dia. Era um sábado e estava um dia de sol e calor. Nesse dia, tinha pensado dar uma corrida de 30 minutos após as lides domésticas. Não cheguei a limpar a casa, nem a dar a corrida.
Soube da morte do meu irmão porque me desloquei ao centro de saúde, após saber que ele tinha tido um acidente. Ao chegar lá, vi dois polícias e dirigi-me a eles. Perguntei-lhes pelo estado de saúde do meu irmão, porque tinha ouvido que ele tinha tido um acidente. A minha mente estava a processar tudo o que pudesse indicar que ele estava vivo.
Os dois homens entreolharam-se e um deles disse-me que o meu irmão tinha falecido no acidente. A minha reação foi de choque e a minha consciência saiu do corpo. Não estava à espera que o meu irmão se tivesse tornado num óbito. O choque da notícia fez com que caísse no chão, amparada pela minha namorada e pelo polícia, portador da trágica notícia.
A minha mente vagueava. O meu irmão era a pessoa em quem eu mais confiava neste mundo! Ele era a única pessoa com a qual eu era capaz de ir completamente descontraída no banco do pendura, porque confiava plenamente na sua condução.
Nunca mais vou esquecer o dia que soube da morte do meu irmão, porque nunca vou esquecer a forma tão fria, tão crua, tão insensível, como o disseram.
Após processar a notícia da morte do meu irmão, a minha irmã mais nova soube do sucedido e ligou-me. Tentei acalmá-la a 1700 quilómetros de casa. Depois de falar com a minha irmã, liguei à minha mãe e fui a portadora da trágica notícia.
Fui até à casa da minha avó, onde ela estava a passar a tarde. Nesse mesmo dia, eu assumi a responsabilidade de ficar com a minha avó materna, enquanto a minha mãe voltava para casa, para junto da sua nora e netos.
Eu e a minha família aguardámos cinco dias para o corpo médico realizar a autópsia e libertar o corpo de forma a fazermos o funeral e o enterro.
Durante cinco dias, eu engoli as minhas emoções e passava para o papel o que estava a sentir.
O funeral do meu irmão foi no dia 7 de março e eu não chorei. Limitei-me a afastar as pessoas de mim e foquei-me em estar presente para a minha mãe e irmãos.
No dia 24 de março, fiz 33 anos e foi o primeiro aniversário sem a presença do meu irmão mais velho. Foi um dia em que senti, pela primeira vez, que era possível sentir alegria e tristeza ao mesmo tempo.
Neste momento, levo comigo as aprendizagens que a morte das pessoas deixaram.
Aprendi com o Pedro o significado da coragem, da honestidade, da integridade, da presença, do apoio, da compreensão e que os sonhos existem para serem realizados.
A perda do Pedro e do Lee trouxe consigo uma profunda introspeção e reflexão da vida que quero levar.
Tenho aprendido a escrever sobre a dor da perda, a enfrentar a dor e a permitir-me sentir as minhas emoções.
De todos os textos que escrevi, este texto foi o mais difícil até hoje, porque foi necessário enfrentar as minhas emoções, mergulhar no meu íntimo e analisar a minha tendência para a autodestruição para fugir da dor.