por Maria Reis
Por mais incrível que possa parecer, a vida pode, eventualmente, trazer-nos motivos que nos levem a não querer que aconteça o Natal.
Passei por aí! Eu não queria! Não podia ser Natal!
Assim, a nossa casa iria ficar vazia…
Assim, a tradicional ceia não iria acontecer…
Assim, não iria haver alegria nem sorrisos…
Assim, não iria haver abraços nem os desejados reencontros…
Era assim que, à magia do Natal, eu queria sobrepor a minha fuga.
Ingenuidade a minha!
Quanto mais me parecia alcançar o sucesso dessa fuga, mais próxima eu estava de aceitar, de desejar celebrar, de viver esse Natal…
Era dezembro. Decorria o ano de 1972. Estava em Luanda.
O meu amado alferes cumpria pena de prisão. Fora julgado e condenado por deserção sem ter desertado. Eram o capricho, a crueldade, a injustiça? Era, sim, algo que não conseguíamos compreender, algo que provocava em nós enorme revolta…
O Natal aproximava-se…
Paz, alegria, solidariedade, reencontros… Assim o Natal devia acontecer, envolvido em amor, afetos, aconchego!
Todos ansiavam pela noite sem igual, repleta daquela magia que ilumina a vida, que nos embala em sonhos, que numa doce promessa nos traz a ilusão do cumprir de tantos desejos!
Todos se preparavam. Nada se podia esquecer. Nada podia faltar.
Eu escrevi aquela carta. Era tão somente o que podia fazer!
A resposta veio. Foi trazida pelo meu mensageiro de amor. Foi entregue entre beijos e carinhos:
“O comandante não teve coragem para te responder. Não pode permitir. Não é possível. Nessa noite, ninguém pode sair.”
Ficámos unidos num abraço. Esperávamos que a mágoa se diluísse! Seria o nosso primeiro Natal!
Mais uma vez, a dureza de uma rigorosa disciplina nos separava.
Veio o primo amigo, qual irmão querido. Também ele recém casado. Também ele só!
E foi assim. Unidos na nossa solidão, caminhávamos pela cidade, querendo que essa fosse uma noite igual a tantas outras. Apenas procurávamos um lugar onde nos fosse servida uma refeição.
Brilhavam mais luzes cheias de cor, como que para nos alertar!
A cidade parecia adormecida. Ruas desertas. Todas as portas fechadas. Um silêncio ensurdecedor!
Apenas as nossas vozes! Como éramos dois fantasmas deambulando!
Pouco a pouco, íamos ficando cada vez mais próximos da bela marginal, caracterizada por ser tão alegre, colorida, tão cheia de vida! Começámos a percorrê-la e acabámos, sós, sentados no passeio!
Agora, tínhamos por companhia o mar sereno e tranquilo. Olhávamos o céu onde cintilavam inúmeras estrelas.
Ali sentados, corações unidos na solidão de cada um deles, recordámos que Jesus nasceu. Recordámos aquela estrela que outrora fora a guia, cuja luz fora a promessa de uma nova esperança!
A celebração aconteceu, ali, e como foi tão diferente! Como, afinal, foi tão bela, tão íntima, tão docemente vivida! Como foi tão inesquecível!
Sentimos os nossos corações serem tocados pela magia do Natal…
Aconteceu o nosso abraço fraterno e solidário, vivemos a alegria do nosso reencontro neste momento menos fácil das nossas vidas e ficámos em paz!
A esperança, a coragem, a resiliência como que renasceram em nós!
Um novo dia nasceu e, com ele, um novo passeio. A tarde foi passada na casa de reclusão. Houve gargalhadas e alegria. Foi uma tarde divertida. Não podíamos permitir que uma núvem passageira viesse escurecer esta luz que, agora, víamos brilhar nas nossas vidas. Agora, iríamos transformar o que parecia um pesadelo numa saborosa aventura…
Afinal, no sapatinho ficou a mais bela das prendas: coragem! Os nossos corações sentiram que, na verdade, os milagres acontecem…