por Ana Guilherme Martins

A insegurança, muitas vezes, tolda-nos a visão que temos de nós próprios. Abre portas. Abre janelas. Deixa larga margem para as comparações. E, como criança insegura que fui, sim, comparei-me muito com amigas e com a família. Eu era o oposto — quer dizer, era muito diferente delas — e achava que, por ser diferente, não seria tão bonita.
Ia desde o cabelo até à fisionomia. O facto de ser alta, magra, com poucas formas, fazia-me sentir menos feminina do que as minhas primas ou amigas, que, só pela aparência, pareciam mais delicadas. Não havia nenhum problema real com o meu corpo — o problema estava na forma como eu o via. Eu não me identificava com nenhuma prima minha. Chamavam-me Maria Rapaz, e isso marcou. Ficou em mim uma ideia do corpo com a qual não me sentia bem. Sentia-me fora do lugar.
Com o tempo, essa ideia foi ficando mais distante. Fui percebendo que aquela diferença que me incomodava, afinal, não era um defeito. Que aquele corpo, que sempre comparei com os outros, tinha algo que os outros também valorizavam — e que eu aprendi a valorizar: a saúde. Comecei a apreciar o meu corpo por ser saudável, acima de tudo. E é isso que procuro ser o mais possível. Trato o meu corpo com respeito, para o preservar. Isso passou a ser o mais importante.
Depois, deixei de me preocupar tanto com o que vestia. Durante muito tempo, vesti o que me apetecia e acreditava mais no que os outros diziam do que no que eu via. Se me diziam que me ficava bem, eu acreditava — mesmo que não achasse isso. E isso ajudou-me, de certa forma, a desligar-me da preocupação constante com o corpo ou com a roupa. Fui deixando isso de lado.
Hoje estou bem no meu corpo, apesar de o meu corpo não estar no seu melhor. Já não tenho vinte anos, e o tempo vai mudando o que vemos ao espelho. Mas, mesmo assim, talvez por isso mesmo, gosto deste corpo. Sinto-me bem neste cabelo despenteado, nesta desproporção, nesta pequena barriguinha que estou a colher e a alimentar todos os dias!
E, às vezes, penso: gostava de não ter perdido tempo com o que não tem importância. Gostava de me ter sabido cuidar mais cedo, não só por fora, mas por dentro, na pessoa que sou. Isso ter-me-ia ajudado a julgar-me menos e a valorizar-me mais. Mas cada coisa chega no seu tempo. E, agora, chegou.
Digo isto como sei dizer: já não sou insegura. Fui, sim. Durante muito tempo. Mas, hoje, não. Hoje aprendi a aceitar as minhas imperfeições, as minhas gorduras, as minhas desproporções e está tudo certo. Está tudo mesmo certo.
Chego à conclusão de que o meu corpo nunca foi julgado pelos outros, na verdade. Quem mais o julgava, quem mais o criticava, quem mais o olhava de perto, era eu. Eu fui a minha maior crítica, sempre. Mas, agora, depois de aprender a vê-lo de outra forma, já não o julgo mais. Eu aceito-o como é — e isso já é suficiente.
O meu corpo é como um caderno onde escrevo há algum tempo: tem palavras rasuradas, tem notas espalhadas, tem páginas dobradas, outras manchadas. Mas eu gosto dele. É o meu caderno. E é nessas notas dispersas que encontro a história que ainda estou a escrever.